sábado, 27 de dezembro de 2008

FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA (ano B)




Leitura do Livro de Ben-Sirá
(Sir 3,3-7.14-17a versão grega: 3,2-6.12-14)
Deus quis honrar os pais nos filhos e firmou sobre eles a autoridade da mãe. Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados e acumula um tesouro quem honra sua mãe. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será atendido na sua oração. Quem honra seu pai terá longa vida, e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe. Filho, ampara a velhice do teu pai e não o desgostes durante a sua vida. Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida, porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida e converter-se-á em desconto dos teus pecados.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)
Refrão: Felizes os que esperam no Senhor, e seguem os seus caminhos.

Feliz de ti, que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.

Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos serão como ramos de oliveira
ao redor da tua mesa.

Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião te abençoe o Senhor:
vejas a prosperidade de Jerusalém
todos os dias da tua vida.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
(Col 3, 12-21)
Irmãos: Como eleitos de Deus, santos e predilectos, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, assim deveis fazer vós também. Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição. Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados para formar um só corpo. E vivei em acção de graças. Habite em vós com abundância a palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros com toda a sabedoria; e com salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão. E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai. Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza. Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto agrada ao Senhor. Pais, não exaspereis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 2,22-40)
Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na Lei do Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor», e para oferecerem em sacrifício um par de rolas ou duas pombinhas, como se diz na Lei do Senhor. Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava nele. O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando:

«Agora, Senhor, segundo a vossa palavra,
deixareis ir em paz o vosso servo,
porque os meus olhos viram a vossa salvação,
que pusestes ao alcance de todos os povos:
luz para se revelar às nações
e glória de Israel, vosso povo».

O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que d’Ele se dizia. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; - e uma espada trespassará a tua alma - assim se revelarão os pensamentos de todos os corações». Havia também uma profetiza, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela e viúva até aos oitenta e quatro. Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. Estando presente na mesma ocasião, começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré. Entretanto, o Menino crescia e tornava-Se robusto, enchendo-Se de sabedoria. E a graça de Deus estava com Ele.


Só Deus sabe o que terá pensado Maria quando Simeão pegou Jesus nos seus braços. Será que se assustou? Eu imagino-a, com uma olhada discreta, a encorajar José para que retire a criança das mãos daquele excêntrico velhinho... Imagino-a também, muitos anos mais tarde, quando a Igreja já move os primeiros passos, a contar este episódio a um jovem médico chamado Lucas. Passaram muitos anos desde aquele encontro no templo, mas a memória de Maria vê sempre mais claramente os eventos do passado. Recorda bem a alegria de Ana e o ar maravilhado de José que não sabe o que pensar de todo aquele alvoroço. Mas a recordação mais forte, é a oração de Simeão. Repete-a a Lucas, palavra por palavra, e ele escreve-a com atenção, talvez sem sequer suspeitar que lhe foi confiado um tesouro.

Dois milénios passaram. As palavras de Simeão foram traduzidas em todas as línguas do mundo. São escutadas nas nossas igrejas, proclamadas pelos sacerdotes que anunciam o Evangelho e são repetidas antes de adormecer por cristãos em tudo o mundo. São poucas palavras, mas a mensagem que contêm é clara: a vida e a morte não nos podem assustar. O encontro com Deus vence todos os medos, todos os receios. Não temam! Jesus Cristo é “Emanuel”, o “Deus-connosco”.

Senhor ajuda-nos a viver vidas corajosas, a sonhar sonhos audazes e a abraçar projectos ambiciosos. Não deixes que as dificuldades ou os sacrifícios nos assustem, mas sustem-nos com o Teu amor. Contigo, nada é impossível e nenhuma meta é demasiado distante. *

(tenham uma boa semana)

* escrito originalmente em italiano para um projecto da pastoral juvenil scalabriniana



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sábado, 20 de dezembro de 2008

4º DOMINGO DO ADVENTO (ano B)



Leitura do Segundo Livro de Samuel
(2 Sam 7,1-5.8b-12.14a.16)
Quando David já morava em sua casa e o Senhor lhe deu tréguas de todos os inimigos que o rodeavam, o rei disse ao profeta Natã: «Como vês, eu moro numa casa de cedro, e a arca de Deus está debaixo de uma tenda». Natã respondeu ao rei: «Faz o que te pede o teu coração, porque o Senhor está contigo». Nessa mesma noite, o Senhor falou a Natã, dizendo: «Vai dizer ao meu servo David: Assim fala o Senhor: Pensas edificar um palácio para Eu habitar? Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel. Estive contigo em toda a parte por onde andaste e exterminei diante de ti todos os teus inimigos. Dar-te-ei um nome tão ilustre como o nome dos grandes da terra. Prepararei um lugar para o meu povo de Israel: e nele o instalarei para que habite nesse lugar, sem que jamais tenha receio e sem que os perversos tornem a oprimi-lo como outrora, quando Eu constituía juízes no meu povo de Israel. Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos. O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa. Quando chegares ao termo dos teus dias e fores repousar com teus pais estabelecerei em teu lugar um descendente que há-de nascer de ti e consolidarei a tua realeza. Ele construirá um palácio ao meu nome e Eu consolidarei para sempre o teu trono real. Serei para ele um pai e ele será para Mim um filho. A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente e o teu trono será firme para sempre.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 88 (89)
Refrão: Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor.

Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor
e para sempre proclamarei a sua fidelidade.
Vós dissestes: «A bondade está estabelecida para sempre»,
no céu permanece firme a vossa fidelidade.

«Concluí uma aliança com o meu eleito,
fiz um juramento a David meu servo:
‘Conservarei a tua descendência para sempre,
estabelecerei o teu trono por todas as gerações’».

«Ele Me invocará: ‘Vós sois meu Pai,
meu Deus, meu Salvador’.
Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor,
a minha aliança com ele será irrevogável».


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
(Rom 16,25-27)
Irmãos: Àquele que tem o poder de vos confirmar, segundo o meu Evangelho e a pregação de Jesus Cristo – a revelação do mistério encoberto desde os tempos eternos mas agora manifestado e dado a conhecer a todos os povos pelas escrituras dos Profetas segundo a ordem do Deus eterno, dado a conhecer a todos os gentios para que eles obedeçam à fé – a Deus, o único sábio, por Jesus Cristo, seja dada glória pelos séculos dos séculos. Amen.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 1,26-38)
Naquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José. O nome da Virgem era Maria. Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo; bendita és tu entre as mulheres». Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela. Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; e o seu reinado não terá fim». Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?» O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice porque a Deus nada é impossível». Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».


SIM
No Domingo em que a liturgia da palavra nos propõe o relato da vocação de Maria decidi fazer uma coisa diferente. Enquanto dava uma limpeza ao meu computador encontrei um velho ficheiro onde há uns anos atrás tinha tentado (d)escrever a história da minha vocação. Se me recordo bem, fazia parte de uma longa carta que enviei para o seminário da Amora na altura em que me preparava para professar os votos perpétuos. Ao longo dos anos várias pessoas me pediram que contasse a história da minha entrada no seminário. Neste texto não vão encontrar respostas a todas as questões ou esclarecidas todas as dúvidas. Mas é um começo. É o começo do meu “sim”.

(...) Nunca tinha sequer considerado a hipótese de um dia entrar num seminário. Muito pelo contrário. Era um daqueles que diziam: «Padre? Eu? Nunca! Quero mas é casar-me e ter um dúzia de filhos». Porém, algum tempo antes de fazer 18 anos, comecei a sentir que algo que me inquietava cá dentro. Não sabia o que era, mas que havia qualquer coisa, lá isso havia.

Quando pela primeira vez me passou pela cabeça que aquela estranha sensação podia ser o tal famoso “chamamento” de que me tinham falado algumas vezes na catequese, a minha reacção foi clara e imediata: «Devo estar é doido!». E liquidei o assunto num abrir e fechar de olhos: «Nem pensar! A mim não me apanham num seminário. Nem quero pensar mais nesta história. Ponto final. Assunto arrumado». Mas como podem imaginar, não terminou ali. Aquela estranha sensação não me abandonou e com o passar das semanas, apesar dos meus esforços por ignorá-la, foi-se tornando cada vez mais forte e, a uma certa altura, eu já não podia fingir que não a sentia. Resolvi que estava na hora de “enfrentar” Deus. E rezei-lhe, mais ou menos, assim:

«Parece-me que Tu me estás a querer dizer alguma coisa. E acho que até já percebi o me estás a pedir. Mas eu não posso dar um passo desses sem ter a certeza absoluta de que realmente esta é a estrada que Tu me estás a indicar. No mundo existem tantas pessoas que têm estranhas visões, falam com anjos, vêem a Nossa Senhora, etc. Eu não te vou pedir nada de muito complicado e nem preciso que te canses com efeitos especiais. A mim basta-me uma voz que eu possa ouvir. Não peço mais nada a não ser uma pequena voz, aqui junto da minha orelha, para que eu possa ouvir claramente qual é a Tua vontade sobre mim. Para que eu tenha a certeza absoluta de que esta é a estrada que eu devo seguir».

E assim se passaram várias semanas em que eu esperei que Deus me falasse. Procurei a sua voz em tantos lados e, quando já estava quase a desistir, compreendi uma coisa: compreendi o quanto estava a ser palerma...
Parei de procurar vozes fora de mim e fiz silêncio para conseguir escutar o que desde o começo, cá dentro, tentava fazer-se ouvir. Porque Deus Pai não fala aos seus filhos somente em grandes e raras ocasiões. Ele fala connosco todos os dias. Somos nós que fazemos tanto barulho que depois não O conseguimos escutar. Bastou-me fazer um pouco de silêncio para conseguir perceber o que Ele me dizia há já tanto tempo: «Confia em mim. Deixa tudo e segue-Me».

Procurei um padre que me pudesse aconselhar e tinha planeado dizer-lhe... que estava um pouco confuso... que não sabia bem o que fazer com a minha vida... Mas quando abri a boca, aquilo que saiu foi mais ou menos isto: «Decidi que quero entrar no seminário. Com quem é que tenho de falar?»

Era a primeira vez que discutia este assunto com alguém.
Era a primeira vez que me ouvia a mim mesmo, a falar em voz alta sobre este tema. E o que é que eu tinha dito? Tinha dito “sim”. Naquele momento tive a certeza de que Deus me chamava. É uma coisa estranha, mas enquanto não tiveres respondido, não tens realmente a certeza de ter sido chamado. Foi uma sensação incrível: era como se de repente, tudo fosse claro. Sentia como se me tivesse achado a mim mesmo: era a pessoa mais feliz deste mundo.(...)



(tenham uma boa semana e um Santo Natal!)


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sábado, 13 de dezembro de 2008

3º DOMINGO DO ADVENTO (ano B)


Leitura do Livro de Isaías
(Is 61,1-2a.10-11)
O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a promulgar o ano da graça do Senhor. Exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu Deus, que me revestiu com as vestes da salvação e em envolveu num manto de justiça, como noivo que cinge a fronte com o diadema e a noiva que se adorna com as suas jóias. Como a terra faz brotar os germes e o jardim germinar as sementes, assim o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor diante de todas as nações.


SALMO RESPONSORIAL – Lc 1, 46-48.49-50.53-54
Refrão: Exulto de alegria no Senhor.

A minha alma glorifica o Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações.

O Todo-poderoso fez em mim maravilhas:
Santo é o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração
sobre aqueles que O temem.

Aos famintos encheu de bens
e aos ricos despediu-os de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo,
lembrado da sua misericórdia.


Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses
(1 Tes 5,16-24)
Irmãos: Vivei sempre alegres, orai sem cessar, dai graças em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito em Cristo Jesus. Não apagueis o Espírito, não desprezeis os dons proféticos; mas avaliai tudo, conservando o que for bom. Afastai-vos de toda a espécie de mal. O Deus da paz vos santifique totalmente, para que todo o vosso ser – espírito, alma e corpo – se conserve irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. É fiel Aquele que vos chama e cumprirá as suas promessas.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 1,6-8.19-28)
Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. Foi este o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram, de Jerusalém, sacerdotes e levitas, para lhe perguntarem: «Quem és tu?» Ele confessou a verdade e não negou; ele confessou: «Eu não sou o Messias». Eles perguntaram-lhe: «Então, quem és tu? És Elias?» «Não sou», respondeu ele. «És o Profeta?». Ele respondeu: «Não». Disseram-lhe então: «Quem és tu? Para podermos dar uma resposta àqueles que nos enviaram, que dizes de ti mesmo?» Ele declarou: «Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías». Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram: «Então, porque baptizas, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?» João respondeu-lhes: «Eu baptizo em água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias». Tudo isto se passou em Betânia, além Jordão, onde João estava a baptizar.


«QUEM ÉS TU?»
Nenhum dos evangelistas tentou eludir a questão sobre a verdadeira identidade de João Baptista. A semana passada ouvimos o início da história do precursor contada pela boca de S. Marcos. Hoje é-nos proposta uma outra versão desse episódio, desta vez narrado pelo evangelista S. João.

O impacto que esta figura singular provocou nas gentes do seu tempo foi tão grande que desde o início da sua pregação alguns suspeitaram se não seria ele o messias. Após o martírio, a fama do Baptista aumentou incrivelmente. A história do profeta corajoso e temerário, cujo terrível destino seria selado tragicamente pela vaidade de Herodes e o dançar de Salomé, fascinou muitos israelitas e surgiram numerosos grupos e movimentos espirituais que se inspiraram na sua pregação de conversão e arrependimento (cfr. At 19,1-5). Ainda hoje no Iraque, a seita dos mandeístas venera João Baptista como messias e pratica o ritual do baptismo segundo a sua tradição.

Foram estes equívocos que levaram os quatro evangelistas a dedicar tanto espaço ao esclarecimento da identidade de João. O evangelho de hoje repete a mesma pergunta três vezes: «Quem és tu?». E todas as respostas esquivam qualquer afirmação que possa atrair a atenção sobre si. Ele não é um profeta, não é Elias e não é o messias. João Baptista é “somente” a voz.

A voz em si não é importante, pode até permanecer anónima. O que deve chamar a nossa atenção é a mensagem (a Palavra) que essa voz quer comunicar: «Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas» (Mc 1,3).

Já começámos a preparar a Festa de Natal?
Enfeites, luzes, prendas, postais, a árvore, o presépio... É tudo muito bonito, mas oxalá não nos distraia do essencial. Preparar o caminho do Senhor significa abandonar comportamentos egoístas e atitudes injustas. Esquecer velhos ódios e rancores. Superar preconceitos e racismos. Renunciar às mentiras e aos enganos. Preparar o caminho do Senhor significa perdoar quem nos magoou, socorrer quem precisa de ajuda e libertar-se de todos os pesos e pecados que nos escravizam.

Senhor, ajuda-nos a viver bem este tempo de Advento, para que o teu Natal não seja uma festa estéril e vazia, mas sim, uma ocasião de encontro com o teu amor e com a tua Palavra: “Jesus Cristo”, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.


(tenham uma boa semana!)



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sábado, 6 de dezembro de 2008

2º DOMINGO DO ADVENTO (ano B)


Leitura do Livro de Isaías
(Is 40,1-5.9-11)
Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém e dizei-lhe em alta voz que terminaram os seus trabalhos e está perdoada a sua culpa, porque recebeu da mão do Senhor duplo castigo por todos os seus pecados. Uma voz clama: «No deserto preparai o caminho do Senhor, abri na estepe uma estrada para o nosso Deus. Sejam alteados todos os vales e abatidos os montes e as colinas; endireitem-se os caminhos tortuosos e aplanem-se as veredas escarpadas. Então se manifestará a glória do Senior e todo o homem verá a sua magnificência, porque a boca do Senhor falou». Sobe ao alto dum monte, arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém! Levanta sem temor a tua voz e diz às cidades de Judá: «Eis o vosso Deus. O Senhor Deus vem com poder, o seu braço dominará. Com Ele vem o seu prémio, precede-O a sua recompensa. Como um pastor apascentará o seu rebanho e reunirá os animais dispersos; tomará os cordeiros em seus braços, conduzirá as ovelhas ao seu descanso».


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)
Refrão: Mostrai-nos o vosso amor e dai-nos a vossa salvação.

Escutemos o que diz o Senhor:
Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis.
A sua salvação está perto dos que O temem
e a sua glória habitará na nossa terra.

Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
abraçaram-se a paz e a justiça.
A fidelidade vai germinar da terra
e a justiça descerá do Céu.

O Senhor dará ainda o que é bom
e a nossa terra produzirá os seus frutos.
A justiça caminhará à sua frente
e a paz seguirá os seus passos.


Leitura da Segunda Epístola de São Pedro
(2 Pedro 3,8-14)
Há uma coisa, caríssimos, que não deveis esquecer: um dia diante do Senhor é como mil anos e mil anos como um dia. O Senhor não tardará em cumprir a sua promessa, como pensam alguns. Mas usa de paciência para convosco e não quer que ninguém pereça, mas que todos possam arrepender-se. Entretanto, o dia do Senhor virá como um ladrão: nesse dia, os céus desaparecerão com fragor, os elementos dissolver-se-ão nas chamas e a terra será consumida com todas as obras que nela existem. Uma vez que todas as coisas serão assim dissolvidas, como deve ser santa a vossa vida e grande a vossa piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus, em que os céus se dissolverão em chamas e os elementos se fundirão no ardor do fogo! Nós esperamos, segundo a promessa do Senhor, os novos céus e a nova terra, onde habitará a justiça. Portanto, caríssimos, enquanto esperais tudo isto, empenhai-vos, sem pecado nem motivo algum de censura, para que o Senhor vos encontre na paz.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 1,1-8)
Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Está escrito no profeta Isaías: «Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o teu caminho. Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’». Apareceu João Baptista no deserto a proclamar um baptismo de penitência para remissão dos pecados. Acorria a ele toda a gente da região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. João vestia-se de pêlos de camelo, com um cinto de cabedal em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. E, na sua pregação, dizia: «Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias. Eu baptizo-vos na água, mas Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo».


DESCUBRA AS DIFERENÇAS
Marcos inicia o seu Evangelho com um pequeno trecho do livro do profeta Isaías. Um extracto que a liturgia da palavra nos propõe na primeira leitura. Mas já viram como a citação não é exacta? Vejam lá se descobrem a diferença:

Uma voz clama: «No deserto preparai o caminho do Senhor» (Is 40,3)

Uma voz clama no deserto: «Preparai o caminho do Senhor» (Mc 1,3)

Encontraram? Para Marcos é «no deserto» que a voz clama, enquanto que para Isaías, a expressão «no deserto» já faz parte da mensagem gritada pela voz. Os textos originais da bíblia não conhecem a nossa pontuação moderna e por isso mesmo não vou perder tempo com uma análise da sintaxe dos textos originais. Para mim o importante é que tenham presente que existem estas duas interpretações diferentes. Duas versões que não se contradizem, mas que se complementam.

Quando se fala de deserto normalmente pensa-se numa terra árida e morta. A água é rara, a vegetação escassa e a vida é quase impossível. Mas do ponto de vista bíblico, o deserto traz à memória uma segunda imagem: depois da fuga da escravidão do Egipto, foi no deserto que os israelitas descobriram a liberdade e nasceram como povo. Foi lá que receberam a Lei e estabeleceram uma aliança com Deus. Apesar da sua aridez e das suas dificuldades, o deserto recorda um período de graça na história de Israel.

Para Marcos, a profecia do Antigo Testamento cumpre-se com a actividade de João Baptista. Ele é a voz que grita no deserto. No meio das dificuldades, do sofrimento, da aridez do deserto, eis que chega o anúncio do Evangelho, que em grego significa “Boa Notícia”.

Para Isaías, a Boa Notícia não só chega «no deserto», mas por causa (!) da experiência do deserto. Ninguém quer sofrer. Ninguém quer conhecer a aridez e a dureza do deserto. Mas essa experiência de sofrimento pode transformar-se em ocasião de graça, revelar à nossa vida um novo sentido, pode ser o momento do encontro com Jesus Cristo. Para Isaías é precisamente nas dificuldades e nas situações difíceis que devemos preparar «o caminho do Senhor».

O deserto é o lugar da solidão, da pobreza, da fragilidade humana. Nada nos pode distrair. Nada nos pode esconder. Estamos nus e sozinhos, mas a nossa solidão não é total. Despojados de tudo não podemos continuar a ignorar a Sua presença. Longe das distracções do mundo criam-se condições privilegiadas para escutar a Sua voz.

Deus disse e diz à humanidade uma única palavra: Jesus. Ele é o Verbo Incarnado, a Palavra que se fez carne e a única, verdadeira, Boa Notícia. Preparai os seus caminhos!

(tenham uma boa semana!)


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