sábado, 30 de abril de 2011

2º DOMINGO DA PÁSCOA (ano A)



Leitura dos Actos dos Apóstolos
(Actos 2, 42-47)
Os irmãos eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, toda a gente se enchia de temor. Todos os que haviam abraçado a fé viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme as necessidades de cada um. Todos os dias frequentavam o templo, como se tivessem uma só alma, e partiam o pão em suas casas; tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus e gozando da simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava todos os dias o número dos que deviam salvar-se.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)
Refrão: Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia.

Diga a casa de Israel:
é eterna a sua misericórdia.
Diga a casa de Aarão:
é eterna a sua misericórdia.
Digam os que temem o Senhor:
é eterna a sua misericórdia.

A mão do Senhor fez prodígios,
A mão do Senhor foi magnífica.
Não morrerei, mas hei-de viver,
para anunciar as obras do Senhor.
Com dureza me castigou o Senhor,
mas não me deixou morrer.

A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se pedra angular.
Tudo isto veio do Senhor:
é admirável aos nossos olhos.
Este é o dia que o Senhor fez:
exultemos e cantemos de alegria.


Leitura da Primeira Epístola de São Pedro
(1 Pedro 1, 3-9)
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, na sua grande misericórdia, nos fez renascer, pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos, para uma esperança viva, para uma herança que não se corrompe, nem se mancha, nem desaparece. Esta herança está reservada nos Céus para vós que pelo poder de Deus sois guardados, mediante a fé, para a salvação que se vai revelar nos últimos tempos. Isto vos enche de alegria, embora vos seja preciso ainda, por pouco tempo, passar por diversas provações, para que a prova a que é submetida a vossa fé – muito mais preciosa que o ouro perecível, que se prova pelo fogo – seja digna de louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo Se manifestar. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, acreditais n’Ele. E isto é para vós fonte de uma alegria inefável e gloriosa, porque conseguis o fim da vossa fé: a salvação das vossas almas.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 20,19-31)
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes serão retidos». Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa, e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!» Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.


VER PARA CRER
Em todo o mundo existem apenas três igrejas construídas sobre túmulos dos apóstolos de Cristo. A mais conhecida é a Basílica de S. Pedro, construída sobre o túmulo de Simão Pedro em Roma na Itália. Depois temos a Catedral de Santiago de Compostela, em Espanha, construída sobre o túmulo de Tiago, filho de Zebedeu e irmão de S. João Evangelista. A terceira é o Santuário Nacional de S. Tomé de Meliapore, na costa oriental da Índia. Quando em 1522 os navegadores portugueses chegaram a este território, encontraram uma comunidade vivaz de cristãos que atribuíam a própria evangelização ao esforço missionário de S. Tomé Dídimo. O Apóstolo fora martirizado no ano 72 (trespassado por uma lança hindu) e desde então a comunidade cristã conservava com devoção os seus restos mortais numa pequena capela subterrânea, já mencionada nos diários de viagem do grande explorador veneziano Marco Polo, que a visitou em 1292.

Infelizmente, quando se fala de S. Tomé quase nunca se recorda o seu ardor missionário, a vida de santidade, ou o martírio corajoso. Não. Aquilo que todos nós recordamos facilmente é a sua incredulidade face à notícia da Ressureição. Mas é bom que não nos sintamos no direito de repreendê-lo, porque no fundo Tomé é o primeiro filho da mentalidade moderna e nas suas palavras podemos reconhecer um pouco de cada um de nós.

Dois milénios de tradição cristã podem quase fazer-nos esquecer o quanto é surpreendente a realidade anunciada pelos discípulos. Não é fácil acreditar na ressurreição. É difícil acreditar que um homem possa morrer, permaneça morto durante três dias e mais tarde volte à vida. É inaudito. É demasiado incrível. Tomé (como tantos de nós) precisa de ver para crer.

Certamente já sentimos as mesmas dúvidas e incertezas que encontramos no Evangelho deste Domingo. Será que alguém pode afirmar nunca se ter reconhecido na incredulidade de Tomé? “Dídimo” em grego significa “gémeo” e realmente Tomé é muitas vezes o nosso “dídimo”, o espelho do nosso coração.

Apesar das dúvidas, Tomé não abandona o grupo dos discípulos e «oitos dias depois» no encontro da comunidade (portanto, Domingo), o discípulo incrédulo reconhece Jesus ressuscitado. Há aqui uma importante lição que devemos aprender...

Não é em experiências solitárias, íntimas, fechadas e egoístas, que podemos esperar encontrar Jesus ressuscitado. Ele revela-Se no diálogo comunitário, na Palavra partilhada, no Pão repartido, no amor que une os irmãos em comunidade de vida. Queres encontrar o Messias? Queres “ver” o Cristo ressuscitado? Então escuta o meu conselho: fecha esta página, desliga o teu computador, sai de casa e procura os teus irmãos e irmãs, a tua comunidade paroquial. Talvez não O encontres hoje, mas pelo menos sabes que estás a procurá-l’O no lugar certo.


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Depois de vários meses em que este blog acolheu os seus leitores num ambiente que recordava uma pequena biblioteca, chegou o momento de passar a um outro formato (o terceiro desde que iniciei este projecto e que considero, por enquanto, um “work in progress”). A principal razão por detrás desta metamorfose foi uma conversa com o meu amigo LF, onde ele me fez notar que a versão precedente, devido à imagem de fundo, era quase impossível de visualizar quando acedíamos de um telemóvel. Outras razões foram o desejo de mudança, a vontade de “brincar” com a opção designer do Blogger e, também, o querer recuperar a intuição original do primeiro modelo: uma página praticamente “nua”, onde nada nos distrai e toda a atenção é dada, exclusivamente, à Palavra.

São sempre bem-vindos todos os conselhos, sugestões e comentários que ajudam a aperfeiçoar este espaço. Recordo-vos a minha morada: carlos@scalabrini.net.

Boa semana e boa leitura.


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sábado, 23 de abril de 2011

DOMINGO DE PÁSCOA (ano A)



Leitura dos Actos dos Apóstolos
(Act 10,34.37-43)
Naqueles dias, Pedro tomou a palavra e disse: «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do baptismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d’Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)
Refrão: Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria.

Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
porque é eterna a sua misericórdia.
Diga a casa de Israel:
é eterna a sua misericórdia.

A mão do Senhor fez prodígios,
a mão do Senhor foi magnífica.
Não morrerei, mas hei-de viver
para anunciar as obras do Senhor.

A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se pedra angular.
Tudo isto veio do Senhor:
é admirável aos nossos olhos.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
(Col 3,1-4)
Irmãos: Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 20,1-9)
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o discípulo predilecto de Jesus e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.


O SEPULCRO VAZIO
Durante semanas escutámos nos vários evangelhos dominicais as parábolas e ensinamentos de Jesus. Fomos convidados a meditar as suas acções e os seus gestos. Mas hoje, no Domingo mais importante do ano litúrgico, Domingo de Páscoa, a liturgia da palavra propõe-nos um texto onde Jesus não fala, não aparece, não é presente. Somos confrontados com a realidade do sepulcro vazio e convidados a dar aquele último salto (de fé) necessário para nos reconhecermos como cristãos.

Provavelmente simpatizamos com a figura de Jesus. É possível que concordemos com a sua mensagem de fraternidade e solidariedade. Mas como nos colocamos diante do mistério do sepulcro vazio? Conseguimos reconhecer a identidade divina de Jesus? Acreditamos na Ressureição? Ou para nós é apenas um sábio, um mestre, um líder espiritual que se deixou assassinar e que mais tarde alguém roubou o corpo?

O Sepulcro vazio é um facto histórico que ninguém pode negar, confirmado pelos primeiros discípulos, pelos judeus e pelas autoridades romanas. O corpo do galileu, condenado à morte por Pôncio Pilatos, Prefeito da província romana da Judeia, cuja sentença foi levada a cabo na sexta-feira antes da festa do “Pessach” (a páscoa judaica), desapareceu do seu túmulo. Este é um facto histórico. Mas judeus e romanos explicam-no dizendo que o corpo foi roubado.

Apesar dos soldados que guardavam o sepulcro não terem visto ninguém roubar o corpo (Mt 27, 65)... apesar dos panos de linho e do sudário terem sido deixados por terra (Se eram ladrões, qual o interesse em desnudar o cadáver de Jesus?)... o que, na minha opinião, nos deve realmente interessar é a mudança radical no comportamento dos apóstolos.

Quando Jesus é preso todos os discípulos fogem com medo. Pedro, que deveria ser o porta-voz dos Doze, nega com veemência alguma vez ter conhecido Jesus (Jo 18,12-27). A Bíblia conta-nos que apenas um discípulo e algumas mulheres estiveram presentes no momento da crucifixão (Jo 19,25-27), enquanto que o resto dos apóstolos, vencidos pelo medo, preferiram esconder-se e nem sequer presenciaram o momento da morte de Jesus.

Aconteceu tal como Jesus havia previsto: matai o pastor e as ovelhas serão dispersas (cf. Mt 26,31). Depois da prisão e morte do Mestre, os discípulos sentiam-se assustados e totalmente derrotados. A aventura do messias nazareno tinha terminado no pior dos modos.

Mas a uma certa altura, eis que algo muda. Estes apóstolos tristes e medrosos saem para a rua. Sem medo! Começam a falar nas praças de Jerusalém, onde todos os podem ouvir, onde todos os podem ver. E o que anunciam, com alegria, com coragem, é que Jesus não está morto, ressuscitou! Estes homens cobardes, medrosos, transformam-se em testemunhas corajosas e destemidas. Enfrentam prisões, torturas e até a morte, mas não retractam o próprio anúncio e não calam a própria voz. «Jesus é o Messias! Não está morto. Ressuscitou!».

A ressurreição de Jesus não pode ser provada cientificamente. Permanece uma questão de fé. Mas não podemos negar que depois da morte de Jesus, depois dos apóstolos terem dado provas da própria fragilidade e cobardia, algo (ou alguém) alterou profundamente a vida destes homens transformando-os nos maiores pregadores, missionários, testemunhas, que o mundo conheceu até hoje. Como podemos explicar esta transformação radical no comportamento dos apóstolos? O que será que lhes aconteceu? Quem será que viram?

O que é que vocês acham?






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quinta-feira, 21 de abril de 2011

DOMINGO DE RAMOS (ano A)



Leitura do Livro de Isaías
(Is 50,4-7)
O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam, e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio, e, por isso, não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)
Refrão: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

Todos os que me vêem escarnecem de mim,
estendem os lábios e meneiam a cabeça:
«Confiou no Senhor, Ele que o livre,
Ele que o salve, se é seu amigo».


Matilhas de cães me rodearam,
cercou-me um bando de malfeitores.
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
posso contar todos os meus ossos.

Repartiram entre si as minhas vestes
e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.

Hei-de falar do vosso nome aos meus irmãos,
hei-de louvar-Vos no meio da assembleia.
Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
(Fil 2,6-11)
Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 26,14 - 27,66)


[Lido utilizando três leitores: N = narrador; J = Jesus; R = restantes personagens]


N Naquele tempo, um dos doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e disse-lhes:

R «Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?»

N Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata. E a partir de então, Judas procurava uma oportunidade para O entregar. No primeiro dia dos Ázimos, os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe:

R «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?»

N Ele respondeu:

J «Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo. É em tua casa que eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos’».

N Os discípulos fizeram como Jesus lhes tinha mandado, e prepararam a Páscoa. Ao cair da noite, sentou-Se à mesa com os Doze. Enquanto comiam, declarou:

J «Em verdade vos digo: Um de vós há-de entregar-Me».

N Profundamente entristecidos, começou cada um a perguntar-Lhe:

R «Serei eu, Senhor?»

N Jesus respondeu:

J «Aquele que meteu comigo a mão no prato é que há-de entregar-Me. O Filho do homem vai partir, como está escrito acerca d’Ele. Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser entregue! Melhor seria para esse homem não ter nascido».

N Judas, que O ia entregar, tomou a palavra e perguntou:

R «Serei eu, Mestre?»

N Respondeu Jesus:

J «Tu o disseste».

N Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e deu-o aos discípulos, dizendo:

J «Tomai e comei: Isto é o meu Corpo».

N Tomou em seguida um cálice, deu graças e entregou-lho, dizendo:

J «Bebei dele todos, porque este é o meu Sangue, o Sangue da aliança, derramado pela multidão, para remissão dos pecados. Eu vos digo que não beberei mais deste fruto da videira, até ao dia em que beberei convosco o vinho novo no reino de meu Pai».

N Cantaram os salmos e seguiram para o Monte das Oliveiras. Então, Jesus disse-lhes:

J «Todos vós, esta noite, vos escandalizareis por minha causa, como está escrito: ‘Ferirei o pastor e dispersar-se-ão as ovelhas do rebanho’. Mas, depois de ressuscitar, preceder-vos-ei a caminho da Galileia».

N Pedro interveio, dizendo:

R «Ainda que todos se escandalizem por tua causa, eu não me escandalizarei».

N Jesus respondeu-lhe:

J «Em verdade te digo: Esta mesma noite, antes do galo cantar, Me negarás três vezes».

N Pedro disse-lhe:

R «Ainda que tenha de morrer contigo, não Te negarei».

N E o mesmo disseram todos os discípulos. Então, Jesus chegou com eles a uma propriedade, chamada Getsémani e disse aos discípulos:

J «Ficai aqui, enquanto Eu vou além orar».

N E, tomando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-Se e a angustiar-Se. Disse-lhes então:

J «A minha alma está numa tristeza de morte. Ficai aqui e vigiai comigo».

N E adiantando-Se um pouco mais, caiu com o rosto por terra, enquanto orava e dizia:

J «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice. Todavia, não se faça como Eu quero, mas como Tu queres».

N Depois, foi ter com os discípulos, encontrou-os a dormir e disse a Pedro:

J «Nem sequer pudestes vigiar uma hora comigo! Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca».

N De novo Se afastou, pela Segunda vez, e orou, dizendo:

J «Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade».

N Voltou novamente e encontrou-os a dormir, pois os seus olhos estavam pesados de sono. Deixou-os e foi de novo orar, pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras. Veio então ao encontro dos discípulos e disse-lhes:

J «Dormi agora e descansai. Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos. Aproxima-se aquele que Me vai entregar».

N Ainda Jesus estava a falar, quando chegou Judas, um dos Doze, e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo. O traidor tinha-lhes dado este sinal:

R «Aquele que eu beijar, é esse mesmo. Prendei-O».

N Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse-Lhe:

R «Salve, Mestre!».

N E beijou-O. Jesus respondeu-lhe:

J «Amigo, a que vieste?».

N Então avançaram, deitaram as mãos a Jesus e prenderam-n’O. Um dos que estavam com Jesus levou a mão à espada, desembainhou-a e feriu um servo do sumo sacerdote, cortando-lhe uma orelha. Jesus disse-lhe:

J «Mete a tua espada na bainha, pois todos os que puxarem da espada morrerão à espada. Pensas que não posso rogar a meu Pai que ponha já ao meu dispor mais de doze legiões de Anjos? Mas como se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim tem de acontecer?».

N Voltando-Se depois para a multidão, Jesus disse:

J «Viestes com espadas e varapaus para Me prender como se fosse um salteador! Eu estava todos os dias sentado no templo a ensinar e não Me prendestes... Mas, tudo isto aconteceu para se cumprirem as Escrituras das profetas».

N Então todos os discípulos O abandonaram e fugiram. Os que tinham prendido Jesus levaram-n’O à presença do sumo sacerdote Caifás, onde os escribas e os anciãos se tinham reunido. Pedro foi-O seguindo de longe, até ao palácio do sumo sacerdote. Aproximando-se, entrou e sentou-se com os guardas, para ver como acabaria tudo aquilo. Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho falso contra Jesus para O condenarem à morte, mas não o encontravam, embora se tivessem apresentado muitas testemunhas falsas. Por fim, apresentaram-se duas que disseram:

R «Este homem afirmou: ‘Posso destruir o templo de Deus e reconstruí-lo em três dias’».

N Então, o sumo sacerdote levantou-se e disse a Jesus:

R «Não respondes nada? Que dizes ao que depõem contra Ti?»

N Mas Jesus continuava calado. Disse-Lhe o sumo sacerdote:

R «Eu Te conjuro pelo Deus vivo, que nos declares se és Tu o Messias, o Filho de Deus».

N Jesus respondeu-lhe:

J «Tu o disseste. E Eu digo-vos: vereis o Filho do homem sentado à direita do Todo-poderoso, vindo sobre as nuvens do céu».

N Então, o sumo sacerdote rasgou as vestes, dizendo:

R «Blasfemou. Que necessidade temos de mais testemunhas? Acabais de ouvir a blasfémia. Que vos parece?»

N Eles responderam:

R «É réu de morte».

N Cuspiram-Lhe então no rosto e deram-Lhe punhadas. Outros esbofeteavam-n’O, dizendo:

R «Adivinha, Messias: quem foi que Te bateu?»

N Entretanto, Pedro estava sentado no pátio. Uma criada aproximou-se dele e disse-lhe:

R «Tu também estavas com Jesus, o galileu».

N Mas ele negou diante de todos, dizendo:

R «Não sei o que dizes».

N Dirigindo-se para a porta, foi visto por outra criada que disse aos circunstantes:

R «Este homem estava com Jesus de Nazaré».

N E, de novo, ele negou com juramento:

R «Não conheço tal homem».

N Pouco depois, aproximaram-se os que ali estavam e disseram a Pedro:

R «Com certeza tu és deles, pois até a fala te denuncia».

N Começou então a dizer imprecações e a jurar:

R «Não conheço tal homem».

N E, imediatamente, um galo cantou. Então, Pedro lembrou-se das palavras que Jesus dissera: «Antes do galo cantar, tu Me negarás três vezes». E, saindo, chorou amargamente. Ao romper da manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram em conselho contra Jesus, para Lhe darem a morte. Depois de Lhe atarem as mãos, levaram-n’O e entregaram-n’O ao governador Pilatos. Então Judas, que entregara Jesus, vendo que Ele tinha sido condenado, tocado pelo remorso, devolveu as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo:

R «Pequei, entregando sangue inocente».

N Mas eles replicaram:

R «Que nos importa? É lá contigo».

N Então, arremessou as moedas para o santuário, saiu dali e foi-se enforcar. Mas os príncipes dos sacerdotes apanharam as moedas e disseram:

R «Não se podem lançar no tesouro, porque são preço de sangue».

N E, depois de terem deliberado, compraram com elas o Campo do Oleiro. Por este motivo se tem chamado àquele campo, até ao dia de hoje, «Campo de Sangue». Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta: «Tomaram trinta moedas de prata, preço em que foi avaliado Aquele que os filhos de Israel avaliaram e deram-nas pelo Campo do Oleiro, como o Senhor me tinha ordenado».

N Entretanto, Jesus foi levado à presença do governador, que lhe perguntou:

R «Tu és o Rei dos judeus?»

N Jesus respondeu:

J «É como dizes».

N Mas, ao ser acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. Disse-Lhe então Pilatos:

R «Não ouves quantas acusações levantam contra Ti?»

N Mas Jesus não respondeu coisa alguma, a ponto de o governador ficar muito admirado. Ora, pela festa da Páscoa, o governador costumava soltar um preso, à escolha do povo. Nessa altura, havia um preso famoso, chamado Barrabás. E, quando eles se reuniram, disse-lhes:

R «Qual quereis que vos solte?» Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo?»

N Ele bem sabia que O tinham entregado por inveja. Enquanto estava sentado no tribunal, a mulher mandou-lhe dizer:

R «Não te prendas com a causa desse justo, pois hoje sofri muito em sonhos por causa d’Ele».

N Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram a multidão a que pedisse Barrabás e fizesse morrer Jesus. O governador tomou a palavra e perguntou-lhes:

R «Qual dos dois quereis que vos solte?»

N Eles responderam:

R «Barrabás».

N Disse-lhes Pilatos:

R «E que hei-de fazer de Jesus, chamado Cristo?»

N Responderam todos:

R «Seja crucificado».

N Pilatos insistiu:

R «Que mal fez Ele?»

N Mas eles gritavam cada vez mais:

R «Seja crucificado».

N Pilatos insistiu:

R «Que mal fez Ele?»

N Mas eles gritavam cada vez mais:

R «Seja crucificado».

N Pilatos, vendo que não conseguia nada e aumentava o tumulto, mandou vir água e lavou as mãos na presença da multidão, dizendo:

R «Estou inocente do sangue deste homem. Isso é lá convosco».

N E todo o povo respondeu:

R «O seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos».

N Soltou-lhes então Barrabás. E, depois de ter mandado açoitar Jesus, entregou-lh’O para ser crucificado. Então os soldados do governador levaram Jesus para o pretório e reuniram à volta d’Ele toda a coorte. Tiraram-Lhe a roupa e envolveram-n’O num manto vermelho. Teceram uma coroa de espinhos e puseram-Lha na cabeça e colocaram uma cana na sua mão direita. Ajoelhando diante d’Ele, escarneciam-n’O, dizendo:

R «Salve, rei dos judeus!»

N Depois, cuspiam-Lhe no rosto e, pegando na cana, batiam-Lhe com ela na cabeça. Depois de O terem escarnecido, tiraram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas roupas e levaram-n’O para ser crucificado. Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus. Chegados a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário, deram-Lhe a beber vinho misturado com fel. Mas Jesus, depois de o provar, não quis beber. Depois de O terem crucificado, repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, e ficaram ali sentados a guardá-l’O. Por cima da sua cabeça puseram um letreiro, indicando a causa da sua condenação: «Este é Jesus, o rei dos judeus». Foram crucificados com Ele dois salteadores, um à direita e outro à esquerda. Os que passavam insultavam-n’O e abanavam a cabeça, dizendo:

R «Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias, salva-Te a Ti mesmo; Se és Filho de Deus, desce da cruz».

N Os príncipes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e os anciãos, também troçavam d’Ele, dizendo:

R «Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si mesmo! Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz e acreditaremos n’Ele. Confiou em Deus: Ele que O livre agora, se O ama, porque disse: ‘Eu sou Filho de Deus’».

N Até os salteadores crucificados com Ele o insultavam. Desde o meio-dia até às três horas da tarde, as trevas envolveram toda a terra. E, pelas três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte:

J «Eli, Eli, lema sabachtani!»,

N que quer dizer: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?» Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram:

R «Está a chamar por Elias».

N Um deles correu a tomar uma esponja, embebeu-a em vinagre, pô-la na ponta duma cana e deu-Lhe a beber. Mas os outros disseram:

R «Deixa lá. Vejamos se Elias vem salvá-l’O».

N E Jesus, clamando outra vez com voz forte, expirou. Então, o véu do templo rasgou-se em duas partes, de alto a baixo; a terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos dos corpos de santos que tinham morrido ressuscitaram; e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos. Entretanto, o centurião e os que com ele guardavam Jesus, ao verem o tremor de terra e o que estava a acontecer, ficaram aterrados e disseram:

R «Este era verdadeiramente Filho de Deus».

N Estavam ali, a observar de longe, muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia, para O servirem. Entre elas encontrava-se Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu. Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimateia, chamado José, que também se tinha tornado discípulo de Jesus. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. E Pilatos ordenou que lho entregassem. José tomou o corpo, envolveu-o num lençol limpo e depositou-o no seu sepulcro novo que tinha mandado escavar na rocha. Depois rolou uma grande pedra para a entrada do sepulcro, e retirou-se. Entretanto, estavam ali Maria Madalena e a outra Maria, sentadas em frente do sepulcro. No dia seguinte, isto é, depois da Preparação, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus foram ter com Pilatos e disseram-lhe:

R «Senhor, lembrámo-nos do que aquele impostor disse quando ainda era vivo: ‘Depois de três dias ressuscitarei’. Por isso, manda que o sepulcro seja mantido em segurança até ao terceiro dia, para que não venham os discípulos roubá-lo e dizer ao povo: ‘Ressuscitou dos mortos’. E a última impostura seria pior do que a primeira».

N Pilatos respondeu:

R «Tendes à vossa disposição a guarda: ide e guardai-o como entenderdes».

N Eles foram e guardaram o sepulcro, selando a pedra e pondo a guarda.




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Desde que comecei este pequeno espaço dedicado à Liturgia da Palavra em 2008, foram raros os sábados em que as publicações das leituras e do comentário não chegaram a horas. Imagino que alguns leitores estejam um pouco surpreendidos com o atraso desta semana.

Na passada sexta-feira, e durante quatro dias, participei na 11º peregrinação a Fátima a pé dos Antigos Alunos de Religião e Moral da Escola Secundária de Peniche (a 26º na contagem total das peregrinações ligadas à disciplina de EMRC). Foi uma experiência incrível, difícil de descrever e que nos deixou a todos a sonhar com a próxima edição… Contudo, como podem calcular, não é fácil ter acesso à internet ou encontrar o tempo para escrever mais uma página do blog, quando estamos a viver uma experiência como esta.

Todavia, não quero “saltar” completamente o Domingo de Ramos. Por isso, excepcionalmente e no lugar do meu comentário habitual, proponho-vos uma belíssima meditação do P. Vítor Gonçalves, retirada da sua rubrica “À procura da Palavra”, publicada semanalmente no jornal a Voz da Verdade.

Boa leitura e até sábado!


COMO TU QUERES!
É nos quadros de Rembrandt e Turner e dos paisagistas holandeses que melhor vejo os tons destes dias da Semana Santa. Os vários matizes do escuro, das tempestades e das trevas que carregam de densidade as pinturas albergam também uma luz que brilha em algum lugar. Uma luz, por mais pequena que seja, a impedir o aparente triunfo das trevas. Assim são os relatos da paixão de Jesus, e mesmo a luminosa e festiva entrada em Jerusalém não afasta do coração dos discípulos as nuvens negras do sofrimento predito pelo Mestre. É o claro-escuro dessa noite maior da agonia de Jesus que é, tantas vezes, também a nossa!

Imaginar que o Pai queria a morte sofredora do Filho só é possível alimentando uma imagem muito distorcida de Deus. É o amor até ao fim, o amor totalmente entregue como só Deus pode fazer, na fidelidade a si mesmo, que vemos na paixão de Jesus. A fidelidade que se faz luminosa nas palavras do “Diário” de Etty Hillesum, a jovem judia morta no campo de concentração de Auschwitz a 30 de Novembro de 1943: “Ser fiel a tudo o que uma pessoa iniciou num momento espontâneo, demasiado espontâneo, por vezes. / Ser fiel a cada sentimento, cada pensamento que começou a germinar. / Fiel no sentido mais lato da palavra. / Fiel a si mesmo, a Deus, fiel aos seus próprios melhores momentos. / E onde uma pessoa está, ser totalmente, cem por cento ser. / O meu “fazer” consistirá em “ser”. Assim, o grito humano do “passe de Mim este cálice” está unido em Jesus ao “como Tu queres”. As duas palavras num único sim, o escuro com o ponto de luz que impulsiona para a vida oferecida de Jesus: “Ninguém Me tira a vida; Eu dou-a livremente” (Jo 10, 18).

Há muito de paixão nesta crise que atravessamos. Uma crise que, mais do que económica, é também de confiança: em instituições e em pessoas concretas, nas políticas seguidas e nos valores que as fundamentaram, nas palavras e na justiça. Desejam-se medidas salvadoras, pedem-se sacrifícios, mas estarão elas ao serviço de uma transformação mais profunda da sociedade? A verdadeira mudança é “por dentro” que se faz; é no “ser” e não no “parecer”; é com todos e não prolonga privilégios; passa pela morte para poder ressuscitar. E quando a confiança é ferida são precisos gestos corajosos para a restaurar!

Acredito que Deus tem um “querer” para mim e para todos. Que não significa nenhum “plano especial de crescimento” mas o “plano de salvação” já realizado na Páscoa de Cristo. Realizado e a ser feito real pelo encontro do meu “querer” com o d’Ele. Que é “amar até ao fim”. Em tudo o que é profundamente humano. No coração da crise e do seu “escuro-claro”. Na política, na economia e na justiça. No trabalho e nos centros de decisão. Mas eu e vocês, que acreditamos e dizemos viver com Jesus, queremos mesmo o que o Pai quer? Quando isso implica paixão e morte?

P. Vítor Gonçalves




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sábado, 9 de abril de 2011

5º DOMINGO DO TEMPO DA QUARESMA (ano A)



Leitura da Profecia de Ezequiel
(Ez 37,12-14)
Assim fala o Senhor Deus: «Vou abrir os vossos túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo, para vos reconduzir à terra de Israel. Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor, quando abrir os vossos túmulos e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo. Infundirei em vós o meu espírito e revivereis. Hei-de fixar-vos na vossa terra e reconhecereis que Eu, o Senhor, o disse e o executarei».


SALMO RESPONSORIAL – SALMO 129 (130)
Refrão: No Senhor está a misericórdia e abundante redenção.

Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor,
Senhor, escutai a minha voz.
Estejam os vossos ouvidos atentos
à voz da minha súplica.

Se tiverdes em conta as nossas faltas,
Senhor, quem poderá salvar-se?
Mas em Vós está o perdão,
para Vos servirmos com reverência.

Eu confio no Senhor,
a minha alma espera na sua palavra.
A minha alma espera pelo Senhor
mais do que as sentinelas pela aurora.

Porque no Senhor está a misericórdia
e com Ele abundante redenção.
Ele há-de libertar Israel
de todas as suas faltas.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
(Rom 8,8-11)
Irmãos: Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, não Lhe pertence. Se Cristo está em vós, embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado, o espírito permanece vivo por causa da justiça. E, se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 11,1-45)
Naquele tempo, estava doente certo homem, Lázaro de Betânia, aldeia de Marta e de Maria, sua irmã. Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com perfume e Lhe tinha enxugado os pés com os cabelos. Era seu irmão Lázaro que estava doente. As irmãs mandaram então dizer a Jesus: «Senhor, o teu amigo está doente». Ouvindo isto, Jesus disse: «Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho do homem». Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro. Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente, ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava. Depois disse aos discípulos: «Vamos de novo para a Judeia». Os discípulos disseram-Lhe: «Mestre, ainda há pouco os judeus procuravam apedrejar-Te e voltas para lá?» Jesus respondeu: «Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas se andar de noite, tropeça, porque não tem luz consigo». Dito isto, acrescentou: «O nosso amigo Lázaro dorme, mas Eu vou despertá-lo». Disseram então os discípulos: «Senhor, se dorme, está salvo». Jesus referia-se à morte de Lázaro, mas eles entenderam que falava do sono natural. Disse-lhes então Jesus abertamente: «Lázaro morreu; por vossa causa, alegro-Me de não ter estado lá, para que acrediteis. Mas, vamos ter com ele». Tomé, chamado Dídimo, disse aos companheiros: «Vamos nós também, para morrermos com Ele». Ao chegar, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias. Betânia distava de Jerusalém cerca de três quilómetros. Muitos judeus tinham ido visitar Marta e Maria, para lhes apresentar condolências pela morte do irmão. Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar, Marta saiu ao seu encontro, enquanto Maria ficou sentada em casa. Marta disse a Jesus: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará». Marta respondeu: «Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição, no último dia». Disse-lhe Jesus: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; E todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?» Disse-Lhe Marta: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo». Dito isto, retirou-se e foi chamar Maria, a quem disse em segredo: «O Mestre está ali e manda-te chamar». Logo que ouviu isto, Maria levantou-se e foi ter com Jesus. Jesus ainda não tinha chegado à aldeia, mas estava no lugar em que Marta viera ao seu encontro. Então os judeus que estavam com Maria em casa para lhe apresentar condolências, ao verem-na levantar-se e sair rapidamente, seguiram-na, pensando que se dirigia ao túmulo para chorar. Quando chegou aonde estava Jesus, Maria, logo que O viu, caiu-Lhe aos pés e disse-Lhe: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido». Jesus, ao vê-la chorar, e vendo chorar também os judeus que vinham com ela, comoveu-Se profundamente e perturbou-Se. Depois perguntou: «Onde o pusestes?» Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor». E Jesus chorou. Diziam então os judeus: «Vede como era seu amigo». Mas alguns deles observaram: «Então Ele, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito que este homem não morresse?» Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo. Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada. Disse Jesus: «Tirai a pedra». Respondeu Marta, irmã do morto: «Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias». Disse Jesus: «Eu não te disse que, se acreditasses, verias a glória de Deus?» Tiraram então a pedra. Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse: «Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste». Dito isto, bradou com voz forte: «Lázaro, sai para fora». O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras e o rosto envolvido num sudário. Disse-lhes Jesus: «Desligai-o e deixai-o ir». Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria, ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.


UAU!
Uma amiga missionária contou-me que, há alguns anos, durante um encontro de adolescentes, lia-se o episódio que acabámos de escutar - a ressurreição de Lázaro - quando se passou uma coisa curiosa. Entre os rapazes que escutavam o Evangelho havia um que, na realidade, não pertencia ao grupo, mas apenas estava ali, aquela vez, porque um colega da escola o tinha convidado. A maioria dos participantes provinha de famílias praticantes e de vários anos de catequese, no entanto, o rapaz de que vos falo não frequentava habitualmente a paróquia e nem sequer era baptizado.

Se houver, entre os meus leitores, catequistas ou animadores de grupos juvenis, com certeza que sabem o quanto pode ser difícil guiar um encontro com miúdos de treze e catorze anos. Não é fácil cativar a atenção de todos e mantê-los concentrados e interessados, principalmente quando se proclama um evangelho tão longo como o que a liturgia da Palavra nos propõe hoje. É quase normal que alguém que se distraia e comece a cochichar ou a tentar distrair os colegas. No entanto, naquela dia, o grupo estava bastante calmo e quem seguia a leitura com mais atenção era precisamente o rapaz que estava ali apenas de “passagem”.

A leitura prosseguia e, quando chegou o momento da descrição do milagre, a minha amiga ergueu um pouco a voz, para dar mais ênfase às palavras de Jesus.
«Lázaro, sai para fora!»
Fez uma pequena pausa para criar algum suspense… e prosseguiu com a narração: «o morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras e o rosto envolvido num sudário». Naquele momento ouviu-se um sonoro, genuíno e espontâneo «Uau!»

O único que nunca tinha ouvido a história da ressurreição de Lázaro era o miúdo que tinha vindo ao encontro pela primeira vez e foi, sempre ele, o único a reagir de forma “apropriada” ao episódio: «Uau!» Os outros adolescentes (cristãos de tradição e longa data…) tinham perdido a capacidade de se surpreenderem diante do Evangelho. Apenas aquele miúdo foi capaz de entender a extraordinária força do episódio narrado.

As grandes celebrações da Páscoa estão a aproximar-se cada vez mais. Oxalá sejamos todos capazes de colher a grandeza dos eventos que vamos celebrar. Oxalá a nossa fé não se encontre anestesiada pelo “folclore” cristão a que reduzimos alguns dos ritos mais bonitos da nossa tradição. Oxalá nos consigamos surpreender pela maravilha dos eventos que vamos recordar, pois não queremos que esta Páscoa seja apenas “mais uma Páscoa”. Queremos que seja a primeira, verdadeira e autêntica Páscoa da nossa vida!


(Tenham uma boa semana!)





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sábado, 2 de abril de 2011

4º DOMINGO DO TEMPO DA QUARESMA (ano A)



Leitura do Primeiro Livro de Samuel
(1 Sam 16,1b.6-7.10-13a)
Naqueles dias, o Senhor disse a Samuel: «Enche o corno de óleo e parte. Vou enviar-te a Jessé de Belém, pois escolhi um rei entre os seus filhos». Quando chegou, Samuel viu Eliab e pensou consigo: «Certamente é este o ungido do Senhor». Mas o Senhor disse a Samuel: «Não te impressiones com o seu belo aspecto, nem com a sua elevada estatura, pois não foi esse que Eu escolhi. Deus não vê como o homem; o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração». Jessé fez passar os sete filhos diante de Samuel, mas Samuel declarou-lhe: «O senhor não escolheu nenhum destes». E perguntou a Jessé: «Estão aqui todos os teus filhos?» Jessé respondeu-lhe: «Falta ainda o mais novo, que anda a guardar o rebanho». Samuel ordenou: «Manda-o chamar, porque não nos sentaremos à mesa, enquanto ele não chegar». Então Jessé mandou-o chamar: era loiro, de belos olhos e agradável presença. O Senhor disse a Samuel: «Levanta-te e unge-o, porque é este mesmo». Samuel pegou no corno do óleo e ungiu-o no meio dos irmãos. Daquele dia em diante, o Espírito do Senhor apoderou-Se de David.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.

Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.

Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça
e meu cálice transborda.

A bondade e a graça hão-de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
(Ef 5,8-14)
Irmãos: Outrora vós éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz, porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade. Procurai sempre o que mais agrada ao Senhor. Não tomeis parte nas obras das trevas, que são inúteis; tratai antes de condená-las abertamente, porque o que eles fazem em segredo até é vergonhoso dizê-lo. Mas, todas as coisas que são condenadas são postas a descoberto pela luz, e tudo que assim se manifesta torna-se luz. É por isso que se diz: «Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos e Cristo brilhará sobre ti».


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 9,1-41)
Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre, quem é que pecou para que ele nascesse cego? Ele ou os seus pais? Jesus respondeu-lhes: «Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus. É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras d’Aquele que Me enviou. Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo». Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado». Ele foi, lavou-se e ficou a ver. Entretanto, perguntavam os vizinhos e os que antes o viam a mendigar: «Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?» Uns diziam: «É ele». Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele». Mas ele próprio dizia: «Sou eu». Perguntaram-lhe então: «Como foi que se abriram os teus olhos?» Ele respondeu: «Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo, ungiu-me os olhos e disse-me: ‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’. Eu fui, lavei-me e comecei a ver». Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?» O homem respondeu: «Não sei». Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. Era sábado esse dia em que Jesus fizeram lodo e lhe tinha aberto os olhos. Por isso, os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista. Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos; depois fui lavar-me e agora vejo». Diziam alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado». Outros observavam: «Como pode um pecador fazer tais milagres?» E havia desacordo entre eles. Perguntaram então novamente ao cego: «Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?» O homem respondeu: «É um profeta». Os judeus não quiseram acreditar que ele tinha sido cego e começara a ver. Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes: «É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego? Como é que agora vê?» Os pais responderam: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas não sabemos como é que ele agora vê, nem sabemos quem lhe abriu os olhos. Ele já tem idade para responder: perguntai-lho vós». Foi por medo que eles deram esta resposta, porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga quem reconhecesse que Jesus era o Messias. Por isso é que disseram: «Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido curado e disseram-lhe: «Dá glória a Deus. Nós sabemos que esse homem é pecador». Ele respondeu: «Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo». Perguntaram-lhe então: «Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?» O homem replicou: «Já vos disse e não destes ouvidos. Porque desejais ouvi-lo novamente? Também quereis fazer-vos seus discípulos?» Então insultaram-no e disseram-lhe: «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés; mas este, nem sabemos de onde é». O homem respondeu-lhes: «Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é, mas a verdade é que Ele me deu a vista. Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade. Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer». Replicaram-lhe então eles: «Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?» E expulsaram-no. Jesus soube que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: «Tu acreditas no Filho do homem?» Ele respondeu-Lhe: «Senhor, quem é Ele, para que eu acredite?» Disse-lhe Jesus; «Já O viste: é Quem está a falar contigo». O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou: «Eu creio, Senhor». Então Jesus disse-lhe: «Eu vim para exercer um juízo: os que não vêem ficarão a ver; os que vêem ficarão cegos». Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, perguntaram-Lhe: «Nós também somos cegos?» Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece».


SUPER-HERÓIS E SUPER-VILÕES
Na indústria da banda desenhada, um super-herói “vende” bem quando os autores sabem criar um super-vilão que seja antagónico ao protagonista; que seja o seu exacto contrário. Batman teria tido o mesmo êxito sem o Joker? Ou o Super-homem sem Lex Luthor? Este tipo de contraste seduz a maioria dos leitores, pois simplifica a trama da aventura ao mesmo tempo que a eleva a patamares épicos, pois cada episódio, por muito banal que seja o seu argumento, transforma-se numa nova batalha da eterna guerra entre o Bem e o Mal.

Devemos ter cuidado para não aplicar este tipo de interpretação à página do Evangelho que acabámos de ler. É uma tentação cair nesta lógica: se Jesus é o Messias (o sumo Bem!) então os seus adversários (neste caso os fariseus) são o Mal incarnado e tudo o que fazem e dizem é guiado pela pura maldade. Com estes paradigmas, a leitura torna-se mais fácil, no entanto, reduzimos os fariseus a caricaturas, distantes anos-luz da nossa realidade e o sentido do Evangelho permanece fora do nosso alcance.

Na verdade, os fariseus não eram completamente maus (tal como os discípulos de Jesus não eram totalmente bons), mas eram homens muito mais próximos de nós do que, provavelmente, estamos dispostos a admitir. Os fariseus estudavam a Lei e procuravam na Escritura os contornos do rosto de Deus. Eram pessoas (como nós) que procuravam conhecer e interpretar a realidade divina e muitos dedicavam a própria vida ao estudo sério dos textos sagrados. Qual é então o grande pecado dos fariseus? A resposta é simples: terem absolutizado (idolatrado) a própria concepção de Deus. Eles estão seguros de ter compreendido tudo! Sabem tudo! Têm todas as respostas! E por isso, são incapazes de reconhecer em Jesus a presença de Deus, pois Ele não corresponde à imagem que a casta farisaica tinha construído.

«Como agora dizeis: “Nós vemos”, o vosso pecado permanece». A última frase do Evangelho indica claramente o obstáculo que impede aos fariseus de entrar na lógica do Reino de Deus. «Nós vemos; nós sabemos; nós conhecemos!» …e toda esta arrogância impede-os de sair dos próprios esquemas mentais e abraçar a novidade que é Jesus.

As comunidades cristãs não estão isentas de cair no erro dos fariseus. Quando amamos alguém, a curiosidade aumenta: queremos saber tudo sobre a pessoa amada. A nossa relação com o Senhor não é diferente: é normal que queiramos conhecê-Lo melhor. No entanto, o engano começa quando nos esquecemos que as definições e imagens de Deus que concebemos são meras tentativas de nos aproximarmos de uma realidade que não seremos nunca capazes de descrever completamente, pois a Sua realidade supera a nossa fantasia e inteligência. Ele é melhor, maior e superior a qualquer definição humana. Ao longo da História, quantas disputas inúteis entre cristãos, só porque foram absolutizados alguns pontos de vista.

Amigos, não esqueçamos nunca o conselho do grande santo Agostinho: «No essencial, a unidade. Na dúvida, a liberdade. Em tudo, a caridade».


(Tenham uma boa semana!)




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