sábado, 25 de dezembro de 2010

FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA (ano A)



Leitura do Livro de Ben-Sirá
(Sir 3, 3-7.14-17a [gr. 2-6.12-14])
Deus quis honrar os pais nos filhos e firmou sobre eles a autoridade da mãe. Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados e acumula um tesouro quem honra sua mãe. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será atendido na sua oração. Quem honra seu pai terá longa vida, e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe. Filho, ampara a velhice do teu pai e não o desgostes durante a sua vida. Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida, porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida e converter-se-á em desconto dos teus pecados.


SALMO RESPONSORIAL Salmo 127 (128), 1-2.3.4-5
Refrão: Felizes os que esperam no Senhor e seguem os seus caminhos.

Feliz de ti, que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.

Tua esposa será como videira fecunda,
no íntimo do teu lar;
teus filhos serão como ramos de oliveira,
ao redor da tua mesa.

Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião te abençoe o Senhor:
vejas a prosperidade de Jerusalém,
todos os dias da tua vida.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
(Col 3, 12-21)
Irmãos: Como eleitos de Deus, santos e predilectos, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, assim deveis fazer vós também. Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição. Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados para formar um só corpo. E vivei em acção de graças. Habite em vós com abundância a palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros com toda a sabedoria; e com salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão. E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai. Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza. Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto agrada ao Senhor. Pais, não exaspereis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 2, 13-15.19-23)
Depois de os Magos partirem, o Anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egipto e fica lá até que eu te diga, pois Herodes vai procurar o Menino para O matar». José levantou-se de noite, tomou o Menino e sua Mãe e partiu para o Egipto e ficou lá até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pelo Profeta: «Do Egipto chamei o meu filho». Quando Herodes morreu, o Anjo apareceu em sonhos a José, no Egipto, e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e vai para a terra de Israel, pois aqueles que atentavam contra a vida do Menino já morreram». José levantou-se, tomou o Menino e sua Mãe e voltou para a terra de Israel. Mas, quando ouviu dizer que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de seu pai, Herodes, teve receio de ir para lá. E, avisado em sonhos, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Assim se cumpriu o que fora anunciado pelos Profetas: «Há-de chamar-Se Nazareno».


«LEVANTA-TE, TOMA O MENINO E SUA MÃE E FOGE…»
Este ano, o dia 25 de Dezembro calhou num sábado, o que significa que na liturgia de amanhã (primeiro domingo após o Natal e portanto, Festa da Sagrada Família) encontramos a página do Evangelho que corresponde ao relato do dia seguinte ao nascimento de Jesus. Vinte e quatro horas após as grandes celebrações natalícias somos convidados a visitar de novo o presépio e descobrimos (com surpresa!) que o cenário sereno e bucólico da noite anterior se transformou completamente. Durante a noite de Natal emocionámo-nos com o clima de ternura e de consolação que se respirava no estábulo de Belém. É normal (e justo) que assim seja! É bonito imaginar os pastores que se ajoelham para contemplar o menino e os anjos que cantam «glória a Deus nas alturas». Porém, na manhã seguinte tudo se alterou: os pastores e os reis magos voltaram às próprias vidas e a família de Nazaré foi obrigada a fugir para o Egipto, para escapar da fúria homicida de Herodes.

Infelizmente, muitos (que se dizem) “cristãos” esquecem facilmente que a família de Jesus era uma família emigrante e que os primeiros anos da Sua vida foram passados numa terra onde era estrangeiro. A Festa da Sagrada Família e o episódio da fuga para o Egipto são uma boa ocasião para recordar que milhares de pessoas vivem neste preciso momento o drama de uma emigração triste e traumática, enfrentando geralmente viagens incrivelmente longas e perigosas, leis repressivas e xenófobas e um capitalismo proxeneta que, esfregando as mãos diante do desespero humano, propõe salários ridículos e condições de trabalho desumanas.

Dizia Bonhoeffer, teólogo alemão e mártir nos campos de concentração nazis: «Nós cristãos, não podemos nunca pronunciar as palavras últimas da fé, se antes não tivermos pronunciado as palavras penúltimas». A missão da Igreja é anunciar ao mundo as palavras “últimas”: anunciar o Reino, a esperança e a salvação plena. Mas este anúncio não é completo e autêntico se falta um compromisso sério no campo das realidades “penúltimas”, ou seja, se não nos batermos pela justiça, pelo progresso dos povos e pela dignidade humana.

João Paulo II escreveu nas suas mensagens para o Dia Mundial dos Migrantes e dos Refugiados que «a catolicidade não se manifesta somente na comunhão fraterna dos baptizados, mas exprime-se também na hospitalidade assegurada ao estrangeiro, qualquer que seja a sua pertença religiosa, na rejeição de toda a exclusão ou discriminação racial e no reconhecimento da dignidade pessoal de cada um, com o consequente compromisso de promover os seus direitos inalienáveis.

«Era estrangeiro e acolheste-Me» (Mt 25,35). É tarefa da Igreja não só repropor ininterruptamente este ensinamento de fé do Senhor, mas também indicar a sua apropriada aplicação às diversas situações, que a variação dos tempos continua a suscitar. Hoje o migrante irregular apresenta-se-nos como aquele “estrangeiro”, em quem Jesus pede que seja reconhecido. Acolhê-lo e ser solidário com ele é dever de hospitalidade e fidelidade à própria identidade de cristão.

Na Igreja ninguém é estrangeiro, e a Igreja não é estrangeira a nenhum homem e em nenhum lugar. Enquanto sacramento de unidade, e portanto sinal e força agregante de todo o género humano, a Igreja é o lugar onde também os imigrados ilegais são reconhecidos e acolhidos como irmãos. É tarefa das diversas dioceses [e de cada cristão] mobilizar-se para que estas pessoas, constrangidas a viver fora da rede de protecção da sociedade civil, encontrem um sentido de fraternidade na comunidade cristã».


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Um bom domingo a todos, um santo Natal e se quiserem (re)ler a meditação “natalícia” do ano passado, cliquem aqui.


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sábado, 18 de dezembro de 2010

IV DOMINGO DO TEMPO DO ADVENTO (ano A)



Leitura do Livro de Isaías
(Is 7,10-14)
Naqueles dias, o Senhor mandou ao rei Acaz a seguinte mensagem: «Pede um sinal ao Senhor teu Deus, quer nas profundezas do abismo, quer lá em cima nas alturas». Acaz respondeu: «Não pedirei, não porei o Senhor à prova». Então Isaías disse: «Escutai, casa de David: Não vos basta que andeis a molestar os homens para quererdes também molestar o meu Deus? Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel».


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 23 (24)
Refrão: O Senhor virá: Ele é o rei da glória.

Do Senhor é a terra e o que nela existe,
o mundo e quantos nele habitam.
Ele a fundou sobre os mares
e a consolidou sobre as águas.

Quem poderá subir à montanha do Senhor?
Quem habitará no seu santuário?
O que tem as mãos inocentes e o coração puro,
que não invocou o seu nome em vão nem jurou falso.

Este será abençoado pelo Senhor
e recompensado por Deus, seu Salvador.
Esta é a geração dos que O procuram,
que procuram a face do Deus de Jacob.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
(Rom 1,1-7)
Paulo, servo de Jesus Cristo, apóstolo por chamamento divino, escolhido para o Evangelho que Deus tinha de antemão prometido pelos profetas nas Sagradas Escrituras, acerca de seu Filho, nascido da descendência de David, segundo a carne, mas, pelo Espírito que santifica, constituído Filho de Deus em todo o seu poder pela sua ressurreição de entre os mortos: Ele é Jesus Cristo, Nosso Senhor. Por Ele recebemos a graça e a missão de apóstolo, a fim de levarmos todos os gentios a obedecerem à fé, para honra do seu nome, dos quais fazeis parte também vós, chamados por Jesus Cristo. A todos os que habitam em Roma, amados por Deus e chamados a serem santos, a graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 1,18-24)
O nascimento de Jesus deu-se do seguinte modo: Maria, sua Mãe, noiva de José, antes de terem vivido em comum, encontrara-se grávida por virtude do Espírito Santo. Mas José, seu esposo, que era justo e não queria difamá-la, resolveu repudiá-la em segredo. Tinha ele assim pensado, quando lhe apareceu num sonho o Anjo do Senhor, que lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o senhor anunciara por meio do Profeta, que diz: «A Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’». Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa.


MOTIVAÇÃO
Esta semana o Evangelho dominical “acelera” um pouco os tempos e propõe-nos imediatamente (apesar de ainda estarmos no Advento) o relato do nascimento de Jesus na versão do Evangelho de Mateus. Enquanto que Lucas privilegia a figura de Maria, Mateus faz a escolha insólita de nos contar o mistério da Incarnação através dos olhos de José. É uma história tão conhecida que muitos hoje em dia são incapazes de colher o drama que contém. Para que possamos entender a força do que nos é descrito, devemos tentar olhar para esta página como se a lêssemos pela primeira vez.

Um homem chamado José, carpinteiro de uma pequena aldeia, descobre que a sua noiva está grávida e sabe que não é o pai da criança. Podemos supor que alguém, reconhecendo em Maria os primeiros sinais da gravidez, o tenha advertido dessa situação. Ou talvez ele mesmo tenha notado algo de estranho no comportamento da sua noiva. Nunca saberemos com certeza como tudo se desenrolou, pois o texto não se preocupa com esses pormenores. No entanto, podemos facilmente imaginar a dor que ele sentiu ao fazer essa descoberta. A sua vida é repentinamente abalada por uma notícia que altera todos os seus projectos e enche o seu coração de dúvidas e desgosto: Maria está grávida! E para ele, o casamento prometido está anulado…

Mateus diz-nos que mais tarde José volta atrás na sua decisão: casa com Maria e acolhe o menino como seu filho. O Evangelista descreve-nos o sonho do anjo, mas isso não basta para entender o gesto de José. O poeta espanhol Pedro Calderón de la Barca diz-nos que «os sonhos, sonhos são» e uma decisão como esta, que te compromete para a vida, não se pode explicar com apenas um sonho. Tem que haver uma outra motivação, bem maior, bem mais bonita e para mim, só pode ser esta: José amava Maria. Ele amava-a realmente.

É a única resposta com sentido. Qualquer outra motivação (medo, dever, vergonha…) não seria digna de José e tão pouco aceite por Deus. Um “sim” dito sem amor é uma vocação condenada à esterilidade. O amor é o único motor que desde o início dos tempos faz avançar a história da salvação. Encontramo-lo na Criação, na Incarnação e no auge da Redenção: o momento da Cruz. Se não fosse por amor, o gesto de José não teria qualquer sentido. Se não for por amor, se não for o amor a motivar-nos, tudo aquilo que fizermos, por muito nobre que pareça, é estéril e vazio aos olhos de Deus, pois tal como nos recorda são Paulo:

Ainda que eu tenha o dom da profecia
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas,
se não tiver amor, nada sou.

Ainda que eu distribua todos os meus bens
e entregue o meu corpo para ser queimado,
se não tiver amor, de nada me serve.





(Bom domingo!)





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sábado, 11 de dezembro de 2010

III DOMINGO DO TEMPO DO ADVENTO (ano A)



Leitura do Livro de Isaías
(Is 35,1-6a.10)
Alegrem-se o deserto e o descampado, rejubile e floresça a terra árida, cubra-se de flores como o narciso, exulte com brados de alegria. Ser-lhe-á dada a glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e do Sáron. Verão a glória do Senhor, o esplendor do nosso Deus. Fortalecei as mãos fatigadas e robustecei os joelhos vacilantes. Dizei aos corações perturbados: «Tende coragem, não temais: Aí está o vosso Deus, vem para fazer justiça e dar a recompensa. Ele próprio vem salvar-nos». Então se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. Voltarão os que o Senhor libertar, hão-de chegar a Sião com brados de alegria, com eterna felicidade a iluminar-lhes o rosto. Reinarão o prazer e o contentamento e acabarão a dor e os gemidos.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)
Refrão: Vinde, Senhor, e salvai-nos.

O Senhor faz justiça aos oprimidos,
dá pão aos que têm fome
e a liberdade aos cativos.

O Senhor ilumina os olhos dos cegos,
o Senhor levanta ao abatidos,
o Senhor ama os justos.

O Senhor protege os peregrinos,
ampara o órfão e a viúva
e entrava o caminho aos pecadores.

O Senhor reina eternamente.
O teu Deus, ó Sião,
é rei por todas as gerações.


Leitura da Epístola de São Tiago
(Tg 5,7-10)
Irmãos: Esperai com paciência a vinda do Senhor. Vede como o agricultor espera pacientemente o precioso fruto da terra, aguardando a chuva temporã e a tardia. Sede pacientes, vós também, e fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima. Não vos queixeis uns dos outros, a fim de não serdes julgados. Eis que o Juiz está à porta. Irmãos, tomai como modelos de sofrimento e de paciência os profetas, que falaram em nome do Senhor.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 11,2-11)
Naquele tempo, João Baptista ouviu falar, na prisão, das obras de Cristo e mandou-Lhe dizer pelos discípulos: «És Tu Aquele que há-de vir ou devemos esperar outro?» Jesus respondeu-lhes: «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a boa nova é anunciada aos pobres. E bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim motivo de escândalo». Quando os mensageiros partiram, Jesus começou a falar de João às multidões: «Que fostes ver ao deserto? Uma cana agitada pelo vento? Então que fostes ver? Um homem vestido com roupas delicadas? Mas aqueles que usam roupas delicadas encontram-se nos palácios dos reis. Que fostes ver então? Um profeta? Sim – Eu vo-lo digo – e mais que profeta. É dele que está escrito: ‘Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, para te preparar o caminho’. Em verdade vos digo: Entre os filhos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista. Mas o menor no reino dos Céus é maior do que ele».


DESCONCERTO E SURPRESA
A semana passada falei-vos da imagem que João Baptista propôs do Messias que «chega com a pá na mão» e que limpará a eira. Ficaram por explicar outras expressões que o profeta utilizou para falar dos tempos messiânicos. Algumas são metáforas duras e terríveis, que nos falam de ira, de punição e de um machado que se prepara para cortar as árvores infrutíferas pela raiz. Este domingo o Evangelho fala-nos novamente do Baptista e vemos o seu desconcerto quando percebe que Jesus Cristo não corresponde exactamente à ideia de messias que ele tinha anunciado.

Como podemos constatar, o trecho da semana passada e a página de Evangelho deste domingo são separados por oito capítulos. Após descrever no terceiro capítulo a pregação de João, Mateus contou-nos como ele (hesitante) baptizou Jesus, intuindo que se encontrava diante do Filho de Deus (Mt 3,14). Do quarto capítulo até ao décimo primeiro, Mateus relata de forma sistemática o anúncio do “Reino”, manifestado nas palavras e nos gestos de Jesus. Hoje a narração torna novamente a focar a figura de João Baptista e a pergunta que ele, da prisão, pede que coloquem a Jesus: «És Tu Aquele que há-de vir ou devemos esperar outro?»

João esperava um Messias que viesse lançar fogo à terra, castigar os maus e os pecadores, dar início ao “juízo de Deus”. Para sua grande surpresa, Jesus não é o vingador justiceiro que ele esperava e o Seu modo de agir desorienta-o totalmente: desde o início da sua missão, Jesus, em vez de condenar os culpados, procurou aproximar-se dos pecadores, dos marginais e dos impuros. Estendeu-lhes a mão, mostrou-lhes o amor de Deus, ofereceu-lhes perdão e misericórdia. João e os seus discípulos estão muito confusos: será realmente este o Messias esperado, ou houve um engano e é preciso esperar um outro que venha actuar de uma forma mais decidida e mais justiceira?

O desconcerto de João é também o nosso; a sua dificuldade de entrar na lógica do Amor é a nossa dificuldade. Jesus é um Messias totalmente diferente daquele que o povo de Israel esperava. Mesmo as pessoas que vivem a própria fé de uma forma radical (tal como João Baptista) correm o risco de construir um deus à própria imagem e semelhança; um deus que não corresponde ao rosto misericordioso que nos foi revelado por Cristo. Várias vezes ouvi cristãos (e alguns até eram sacerdotes) caírem no erro de dividirem o mundo em maus e bons: os bons (normalmente, nós!) que serão salvos e os maus (os outros…) que serão implacavelmente punidos. Jesus troca-nos as voltas e em vez de condenar e punir, procura acima de tudo salvar e resgatar quem se afastou da Verdade.

Como é surpreendente o Senhor! Nós esperamos num Deus forte e majestoso e Ele vem como um bebé numa manjedoura; nós acreditamos num Deus encolerizado e Ele fala principalmente de amor e perdão; nós aguardamos um Deus triunfal e Ele revela-Se num condenado à morte, pregado numa cruz.

Concluo com a inevitável questão que neste tempo do Advento todos somos convidados a responder: E tu? Qual é o Messias que esperas?


(Bom domingo e boa meditação!)



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sábado, 4 de dezembro de 2010

II DOMINGO DO TEMPO DO ADVENTO (ano A)

Leitura do Livro de Isaías
(Is 11,1-10)
Naquele dia, sairá um ramo do tronco de Jessé e um rebento brotará das suas raízes. Sobre ele repousará o espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de conhecimento e de temor de Deus. Animado assim do temor de Deus, não julgará segundo as aparências, nem decidirá pelo que ouvir dizer. Julgará os infelizes com justiça e com sentenças rectas os humildes do povo. Com o chicote da sua palavra atingirá o violento e com o sopro dos seus lábios exterminará o ímpio. A justiça será a faixa dos seus rins e a lealdade a cintura dos seus flancos. O lobo viverá com o cordeiro e a pantera dormirá com o cabrito; o bezerro e o leãozinho andarão juntos e um menino os poderá conduzir. A vitela e a ursa pastarão juntamente, suas crias dormirão lado a lado; e o leão comerá feno como o boi. A criança de leite brincará junto ao ninho da cobra e o menino meterá a mão na toca da víbora. Não mais praticarão o mal nem a destruição em todo o meu santo monte: o conhecimento do Senhor encherá o país, como as águas enchem o leito do mar. Nesse dia, a raiz de Jessé surgirá como bandeira dos povos; as nações virão procurá-la e a sua morada será gloriosa.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 71 (72)
Refrão: Nos dias do Senhor nascerá a justiça e a paz para sempre.

Ó Deus, dai ao rei o poder de julgar
e a vossa justiça ao filho do rei.
Ele governará o vosso povo com justiça
e os vossos pobres com equidade.

Florescerá a justiça nos seus dias
e uma grande paz até ao fim dos tempos.
Ele dominará de um ao outro mar,
do grande rio até aos confins da terra.

Socorrerá o pobre que pede auxílio
e o miserável que não tem amparo.
Terá compaixão dos fracos e dos pobres
e defenderá a vida dos oprimidos.

O seu nome será eternamente bendito
e durará tanto como a luz do sol;
nele serão abençoadas todas as nações,
todos os povos da terra o hão-de bendizer.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
(Rom 15,4-9)
Irmãos: Tudo o que foi escrito no passado foi escrito para nossa instrução, a fim de que, pela paciência e consolação que vêm das Escrituras, tenhamos esperança. O Deus da paciência e da consolação vos conceda que alimenteis os mesmos sentimentos uns para com os outros, segundo Cristo Jesus, para que, numa só alma e com uma só voz, glorifiqueis a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Acolhei-vos, portanto, uns aos outros, como Cristo vos acolheu, para glória de Deus. Pois Eu vos digo que Cristo Se fez servidor dos judeus, para mostrar a fidelidade de Deus e confirmar as promessas feitas aos nossos antepassados. Por sua vez, os gentios dão glória a Deus pela sua misericórdia, como está escrito: «Por isso eu Vos bendirei entre as nações e cantarei a glória do vosso nome».


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 3,1-12)
Naqueles dias, apareceu João Baptista a pregar no deserto da Judeia, dizendo: «Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus». Foi dele que o profeta Isaías falou, ao dizer: «Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’». João tinha uma veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins. O seu alimento eram gafanhotos e mel silvestre. Acorria a ele gente de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão; e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. Ao ver muitos fariseus e saduceus que vinham ao seu baptismo, disse-lhes: «Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai acções que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é o nosso pai’, porque eu vos digo: Deus pode suscitar, destas pedras, filhos de Abraão. O machado já está posto à raiz das árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo. Eu baptizo-vos com água, para vos levar ao arrependimento. Mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu e não sou digno de levar as suas sandálias. Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo. Tem a pá na sua mão: há-de limpar a eira e recolher o trigo no celeiro. Mas a palha, queimá-la-á num fogo que não se apaga».


«TEM A PÁ NA SUA MÃO»
Continuamos a prepararmo-nos para a grande celebração do Natal e este domingo escutamos João Baptista que nos descreve algumas das características do Messias que esperamos: Ele é o Senhor; é quem baptiza no Espírito Santo e no fogo; é Aquele que chega com a pá na sua mão.

Esta última referência à «pá na mão» é no mínimo curiosa e pode até despistar-nos, se começamos a imaginar estranhos paralelismos entre a figura do Messias e a famosa padeira de Aljubarrota*. A pá do Messias não serve para nos dar pancada mas sim para limpar a eira. Para quem não cresceu num ambiente agrícola esta imagem pode parecer estranha, mas uma forma eficaz de separar o trigo da palha é jogando tudo no ar, com a ajuda de uma grande pá especial. A palha aos poucos vai sendo levada pelo vento e os grãos de trigo (mais pesados) voltam a cair no chão da eira.

O Messias anunciado por João Baptista é portanto Aquele que purificará o mundo; que distinguirá o Bem do Mal. E esta distinção é hoje mais necessária que nunca. Sempre foi difícil escolher o bem e renunciar ao mal mas, pelo menos antigamente, todos conseguíamos reconhecer facilmente os dois caminhos. Actualmente, tentam “vender-nos” vícios bem antigos como se fossem novos valores. Trair, roubar, mentir… coisas que ninguém duvidava fossem pecados, hoje (aos olhos de algumas pessoas) parecem quase trunfos! Virtudes das quais podem gabar-se com vaidade!

Precisamos de limpar a nossa eira; de purificar a nossa consciência. João achava que o Messias vinha para julgar o mundo com severidade, mas no fundo o Seu julgamento significa “fazer verdade”, ou seja, chamar as coisas pelo seu nome. Se uma coisa é moralmente errada não percamos tempo a procurar absurdas justificações. Tenhamos a coragem de não nos enganarmos a nós próprios; de não nos escondermos por detrás de ambíguas explicações. Se algo na minha vida não me está a ajudar a ser uma pessoa melhor, então chegou o momento de eliminar esse comportamento; de queimá-lo no forno como palha. Se um vício ou pecado me impedem de abraçar plenamente os valores do Evangelho, tenho de ser corajoso, encarar essa verdade e trabalhar no sentido de renunciar a essa velha vida.

O Evangelho diz-nos claramente que ser “filhos de Abraão” não é garantia de acesso à salvação que Jesus veio oferecer, mas é preciso viver uma vida de fidelidade a Deus. Ou seja, não basta ter o nome inscrito no livro de registos de baptismo da paróquia, nem ter casado na Igreja, nem ter posto os filhos na catequese e aparecer lá para tirar fotografias na festa da primeira comunhão, mas é preciso uma conversão séria e empenhada. Uma conversão verdadeira.

Façamos verdade nas nossas vidas: deixemos que o Senhor separe o trigo da palha!



*Os leitores deste blog que não são portugueses provavelmente não entenderam a referência à “Padeira de Aljubarrota”. Ela é uma célebre heroína portuguesa, cujo nome anda associado à vitória dos portugueses, contra as forças castelhanas, na batalha de Aljubarrota em 1385. Diz a lenda que terminada a batalha, sete soldados espanhóis procuraram refúgio nas casas das redondezas e não encontraram melhor esconderijo que os grandes fornos de uma padaria. Mais tarde foram descobertos pela padeira que se preparava para cozer o pão. Imaginem a surpresa dos sete soldados quando a mulher, em vez de fugir apavorada pela descoberta dos inimigos, resolve pegar na sua pá de padeira e enfrentá-los. Conta-se que lhes deu tanta pancada com essa pá que acabou por matá-los a todos, tornando-se desde então uma espécie de celebridade nacional, para sempre associada à famosa vitória do exército português.


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sábado, 27 de novembro de 2010

I DOMINGO DO TEMPO DO ADVENTO (ano A)



Leitura do Livro de Isaías
(Is 2,1-5)
Visão de Isaías, filho de Amós, acerca de Judá e de Jerusalém: Sucederá, nos dias que hão-de vir, que o monte do templo do Senhor se há-de erguer no cimo das montanhas e se elevará no alto das colinas. Ali afluirão todas as nações e muitos povos ocorrerão, dizendo: «Vinde, subamos ao monte do Senhor, ao templo do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos e nós andaremos pelas suas veredas. De Sião há-de vir a lei e de Jerusalém a palavra do Senhor». Ele será juiz no meio das nações e árbitro de povos sem número. Converterão as espadas em relhas de arado e as lanças em foices. Não levantará a espada nação contra nação, nem mais se hão-de preparar para a guerra. Vinde, ó casa de Jacob, caminhemos à luz do Senhor.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 121 (122)
Refrão: Vamos com alegria para a casa do Senhor.

Alegrei-me quando me disseram:
«Vamos para a casa do Senhor».
Detiveram-se os nossos passos
às tuas portas, Jerusalém.

Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor,
segundo costume de Israel, para celebrar o nome do Senhor;
ali estão os tribunais da justiça,
os tribunais da casa de David.

Pedi a paz para Jerusalém:
«Vivam seguros quantos te amam.
Haja paz dentro dos teus muros,
tranquilidade em teus palácios».

Por amor de meus irmãos e amigos,
pedirei a paz para ti.
Por amor da casa do Senhor,
pedirei para ti todos os bens.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
(Rom 13,11-14)
Irmãos: Vós sabeis em que tempo estamos: Chegou a hora de nos levantarmos do sono, porque a salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçámos a fé. A noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente, como em pleno dia, evitando comezainas e excessos de bebida, as devassidões e libertinagens, as discórdias e os ciúmes; não vos preocupeis com a natureza carnal, para satisfazer os seus apetites, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 24,37-44)
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como aconteceu nos dias de Noé, assim sucederá na vinda do Filho do homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca; e não deram por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou. Assim será também na vinda do Filho do homem. Então, de dois que estiverem no campo, um será tomado e outro deixado; de duas mulheres que estiverem a moer com a mó, uma será tomada e outra deixada. Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Compreendei isto: se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa. Por isso, estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem.


ERGUER OS OLHOS AO HORIZONTE
Começamos hoje o primeiro ano do ciclo litúrgico trienal, o chamado “ano A”. O primeiro domingo do ano marca também o início do Advento (do latim Adventus, que significa “chegada”), o tempo litúrgico que antecede o Natal. Mas estranhamente, o primeiro evangelho, do primeiro domingo, do primeiro ano, fala-nos... do último dia: o dia do Senhor. Normalmente começa-se pelo princípio, mas a liturgia da palavra convida-nos, no início deste novo ano, a começar pelo fim.

«Vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor».
No evangelho deste domingo, para além das diversas referências ao fim dos tempos e ao dia do Senhor, encontramos também uma outra ideia repetida várias vezes: «vigiai», «vigilante», «estai vós também preparados». O discurso de Jesus é portanto um claro convite a vigiar! Mas vigiar o quê? Vigiar “quem”? Na nossa sociedade onde as sentinelas tecnológicas estão perfeitamente camufladas e perdemos a necessidade de vigiar constantemente o horizonte, a exortação de Jesus pode soar demasiado abstracta. Mas não o é.

É necessário treinar os nossos cinco sentidos à vigilância. Andamos demasiado distraídos, demasiado alheados. Basta pensar no ano que terminou: quantas vezes fomos capazes de colher a presença do Senhor nas nossas vidas, no nosso quotidiano? Nos doze meses que passaram, quantas vezes fomos capazes de O reconhecer nas pessoas que encontrámos e nas experiências que fizemos? Olhamos, mas não vemos. Ouvimos, mas não escutamos. E assim se passa um ano inteiro, desperdiçando oportunidades de crescer na fé, de testemunhar o Evangelho, de construir mais um pedaço do Reino.

«Estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem».
No evangelho Jesus fala-nos do “fim”, porque procura atirar a nossa atenção sobre o único evento que certamente todos partilharemos e que fixará a nossa sorte eterna. Ele recorda-nos que devemos viver a nossa vida como um encontro com alguém (e Alguém que vem) e não como uma aventura solitária onde o único ponto de referência é o nosso umbigo. Podemos viver vidas “distraídas” mas isso não alterará o nosso destino: a eternidade. Cada gesto, cada palavra assume uma outra dimensão quando colocados nesta óptica. Tudo aquilo que fazemos (até mesmo, dar ou negar um copo de água a alguém) traduz-se em eternidade e não se reduz apenas aos poucos minutos que nos ocupou. O bem e o mal que fazemos seguem-nos para lá do tempo e do espaço e constroem o nosso destino imortal.

Vigiai, vigiai! Pois quando erguemos os olhos ao horizonte que nos espera, compreendemos que cada minuto é importante. Cada momento da nossa vida (se não estamos distraídos) é uma nova oportunidade para acolher (ou rejeitar) o Senhor que vem, para escutar (ou ignorar) a Sua voz, para construir (ou demolir) o Reino.

Bom caminho, bom ano e não se distraiam demasiado!

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sábado, 20 de novembro de 2010

SOLENIDADE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO



Leitura do Segundo Livro de Samuel
(2 Sam 5,1-3)
Naqueles dias, todas as tribos de Israel foram ter com David a Hebron e disseram-lhe: «Nós somos dos teus ossos e da tua carne. Já antes, quando Saul era o nosso rei, eras tu quem dirigia as entradas e saídas de Israel. E o Senhor disse-te: “Tu apascentarás o meu povo de Israel, tu serás rei de Israel”». Todos os anciãos de Israel foram à presença do rei, a Hebron. O rei David concluiu com eles uma aliança diante do Senhor e eles ungiram David como rei de Israel.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 121 (122)
Refrão: Vamos com alegria para a casa do Senhor.

Alegrei-me quando me disseram:
«Vamos para a casa do Senhor».
Detiveram-se os nossos passos
às tuas portas, Jerusalém.

Jerusalém, cidade bem edificada,
que forma tão belo conjunto!
Para lá sobem as tribos,
as tribos do Senhor.

Para celebrar o nome do Senhor,
segundo o costume de Israel;
ali estão os tribunais da justiça,
os tribunais da casa de David.


Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
(Col 1,12-20)
Irmão: Damos graças a Deus Pai, que nos fez dignos de tomar parte na herança dos santos, na luz divina. Ele nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados. Cristo é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; Porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis, Tronos e Dominações, Principados e Potestades: Ele é anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar. Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Lc 23,35-43)
Naquele tempo, os chefes dos judeus zombavam de Jesus, dizendo: «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito». Também os soldados troçavam d’Ele; aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam: «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo». Por cima d’Ele havia um letreiro: «Este é o Rei dos judeus». Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O, dizendo: «Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também». Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: «Não temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo das nossas más acções. Mas Ele nada praticou de condenável». E acrescentou: «Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza». Jesus respondeu-lhe: «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».


TITULUS CRUCIS
Titulus Crucis
(literalmente, “título da cruz”) é o nome tradicionalmente dado ao letreiro que, segundo os evangelhos de Mateus, João e Lucas, teria sido colocada no topo da cruz de Jesus para indicar o motivo da sua condenação. De facto, o código penal romano previa que se expusessem as motivações da sentença: era uma forma de incutir temor na população e assim prevenir futuros delitos. O “crime” de Jesus seria portanto alta traição, pois a inscrição «Este é o Rei dos judeus» sugere que conspirava contra a autoridade do imperador romano.

Face à situação em que Jesus Se encontra, o Titulus Crucis é obviamente carregado de grande ironia e uma ulterior humilhação às aspirações de independência e soberania do povo judeu: «o rei dos judeus» não está sentado num trono, mas pregado numa cruz; não aparece rodeado de súbditos fiéis mas de sim de pessoas que O insultam e escarnecem; não se veste com paramentos reais, mas está pregado na madeira, nu, indefeso e condenado a uma morte infame. Contudo, o Titulus Crucis descreve com precisão a situação, na perspectiva de Deus, do jovem carpinteiro condenado à morte: Ele é o “Rei” que preside, não do alto da sua omnipotência, assustando os seus súbditos com gestos espectaculares, mas que reina com a força desarmada do amor, da entrega, do dom da vida.

Em termos pessoais, o Titulus Crucis convida-nos, também, a repensar a nossa existência e os nossos valores. Diante deste “rei” despojado de tudo e pregado numa cruz, não nos parecem completamente ridículas as nossas pretensões de honras, de glórias, de títulos, de aplausos, de reconhecimentos? Diante deste “rei” que dá a vida por amor, não nos parecem completamente sem sentido as nossas manias de grandeza, as lutas para conseguirmos mais poder, as invejas mesquinhas, as rivalidades que nos magoam e separam dos irmãos? Diante deste “rei” que se dá sem guardar nada para si, não nos sentimos convidados a fazer da vida um dom?


(Bom domingo a todos e boa Festa de Cristo Rei!)



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sábado, 13 de novembro de 2010

XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura da Profecia de Malaquias
(Mal 4,1-2)
Há-de vir o dia do Senhor, ardente como uma fornalha; e serão como a palha todos os soberbos e malfeitores. O dia que há-de vir os abrasará – diz o Senhor do Universo – e não lhes deixará raiz nem ramos. Mas para vós que temeis o meu nome, nascerá o sol de justiça, trazendo nos seus raios a salvação.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)
Refrão : O Senhor virá governar com justiça.

Cantai ao Senhor ao som da cítara,
ao som da cítara e da lira;
ao som da tuba e da trombeta,
aclamai o Senhor, nosso Rei.

Ressoe o mar e tudo o que ele encerra,
a terra inteira e tudo o que nela habita;
aplaudam os rios
e as montanhas exultem de alegria.

Diante do Senhor que vem,
que vem para julgar a terra;
julgará o mundo com justiça
e os povos com equidade.


Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses
(2Tes 3, 7-12)
Irmãos: Vós sabeis como deveis imitar-nos, pois não vivemos entre vós desordenadamente, nem comemos de graça o pão de ninguém. Trabalhámos dia e noite, com esforço e fadiga, para não sermos pesados a nenhum de vós. Não é que não tivéssemos esse direito, mas quisemos ser para vós exemplo a imitar. Quando ainda estávamos convosco, já vos dávamos esta ordem: quem não quer trabalhar, também não deve comer. Ouvimos dizer que alguns de vós vivem na ociosidade, sem fazerem trabalho algum, mas ocupados em futilidades. A esses ordenamos e recomendamos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que trabalhem tranquilamente, para ganharem o pão que comem.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 21,5-19)
Naquele tempo, comentavam alguns que o templo estava ornado com belas pedras e piedosas ofertas. Jesus disse-lhes: «Dias virão em que, de tudo o que estais a ver, não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído». Eles perguntaram-lhe: «Mestre, quando sucederá isso? Que sinal haverá de que está para acontecer?» Jesus respondeu: «Tende cuidado; não vos deixeis enganar, pois muitos virão em meu nome e dirão: “sou eu”; e ainda: “O tempo está próximo”. Não os sigais. Quando ouvirdes falar de guerras e revoltas, não vos alarmeis: é preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim». Disse-lhes ainda: «Há-de erguer-se povo e reino contra reino. Haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fomes e epidemias. Haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu. Mas antes de tudo isto, deitar-vos-ão as mãos e hão-de perseguir-vos, entregando-vos às sinagogas e às prisões, conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Assim tereis ocasião de dar testemunho. Tende presente em vossos corações que não deveis preparar a vossa defesa. Eu vos darei língua e sabedoria a que nenhum dos vossos adversários poderá resistir ou contradizer. Sereis entregues até pelos vossos pais, irmãos, parentes e amigos. Causarão a morte a alguns de vós e todos vos odiarão por causa do meu nome; mas nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá. Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas.


HÃO-DE PERSEGUIR-VOS
O Evangelho deste domingo faz parte dos famosos discursos sobre o “fim do tempos” que encontramos normalmente nas últimas celebrações do ano litúrgico (de facto, está já à porta o novo ciclo de leituras - ano A - , que começa no dia 28, com o primeiro domingo do tempo do Advento). Já aqui falámos uma vez do género literário apocalíptico e de como estes textos, apesar das imagens espectaculares e aterradoras que frequentemente utilizam, normalmente procuram veicular uma mensagem de esperança (se não se lembram desse comentário, basta clicar aqui). O Evangelho de hoje insere-se plenamente nesse filão: é um convite a não perder nunca a coragem e a esperança, mesmo nos momentos mais difíceis da nossa vida, porque «nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá».

Porém, apesar do género literário utilizado, o discurso de Jesus não pode ser considerado puramente metafórico ou simbólico. As perseguições foram (são...) uma realidade terrível. Os primeiros três séculos de história da Igreja foram caracterizados por violentas acções repressivas, promovidas pelas autoridades oficiais e responsáveis pelo martírio cruento de milhares de cristãos. Na verdade, o capítulo das perseguições não terminou com a queda do império romano. Nos últimos séculos, em vários pontos do globo, milhares de cristãos foram perseguidos e assassinados por diversos grupos religiosos, incluindo extremistas muçulmanos e hindus, e por Estados ateístas como a União Soviética e a República Popular da China. O caso mais recente ocorreu há apenas duas semanas, quando um comando armado, no dia 31 de Outubro, tomou de assalto uma igreja cristã em Bagdade e assassinou 57 fiéis que participavam na celebração da eucaristia.

Para mim e para a maioria das pessoas que, diante do próprio computador, lêem o Evangelho deste domingo, as palavras de Jesus provavelmente soam simbólicas e distantes da nossa realidade, mas não nos esqueçamos que, infelizmente, neste preciso momento, vários nossos irmãos e irmãs vivem a assustadora realidade descrita por Jesus. Sofrem entre «guerras e revoltas», «fomes e epidemias» e são «perseguidos e entregues às prisões». Rezemos por todos eles. Para que a paz volte às suas terras e para que, fiéis à própria fé, consigam testemunhar o amor e perdoar aqueles que os perseguem.



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sábado, 6 de novembro de 2010

XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura do Segundo Livro de Macabeus
(2 Mac 7,1-2.9-14)
Naqueles dias, foram presos sete irmãos, juntamente com a mãe, e o rei da Síria quis obrigá-los, à força de golpes de azorrague e de nervos de boi, a comer carne de porco proibida pela Lei judaica. Um deles tomou a palavra em nome de todos e falou assim ao rei: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos para morrer, antes que violar a lei de nossos pais». Prestes a soltar o último suspiro, o segundo irmão disse: «Tu, malvado, pretendes arrancar-nos a vida presente, mas o Rei do universo ressuscitar-nos-á para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis». Depois deste começaram a torturar o terceiro. Intimado a pôr fora a língua, apresentou-a sem demora e estendeu as mãos resolutamente, dizendo com nobre coragem: «Do Céu recebi estes membros e é por causa das suas leis que os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de novo». O próprio rei e quantos o acompanhavam estavam admirados com a força de ânimo do jovem, que não fazia nenhum caso das torturas. Depois de executado este último, sujeitaram o quarto ao mesmo suplício. Quando estava para morrer, falou assim: «Vale a pena morrermos às mãos dos homens, quando temos a esperança em Deus de que Ele nos ressuscitará; mas tu, ó rei, não ressuscitarás para a vida».


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 16 (17)
Refrão: Senhor, ficarei saciado, quando surgir a vossa glória.

Ouvi, Senhor, uma causa justa,
atendei a minha súplica.
Escutai a minha oração,
feita com sinceridade.

Firmai os meus passos nas vossas veredas,
para que não vacilem os meus pés.
Eu Vos invoco, ó Deus, respondei-me,
ouvi e escutai as minhas palavras.

Protegei-me à sombra das vossas asas,
longe dos ímpios que me fazem violência.
Senhor, mereça eu contemplar a vossa face
e ao despertar saciar-me com a vossa imagem.


Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses
(2 Tes 2,16-3,5)
Irmãos: Jesus Cristo, nosso Senhor, e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela sua graça, eterna consolação e feliz esperança, confortem os vossos corações e os tornem firmes em toda a espécie de boas obras e palavras. Entretanto, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague rapidamente e seja glorificada, como acontece no meio de vós. Orai também, para que sejamos livres dos homens perversos e maus, pois nem todos têm fé. Mas o Senhor é fiel: Ele vos dará firmeza e vos guardará do Maligno. Quanto a vós, confiamos inteiramente no Senhor que cumpris e cumprireis o que vos mandamos. O Senhor dirija os vossos corações, para que amem a Deus e aguardem a Cristo com perseverança.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 20,27-38)
Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus – que negam a ressurreição – e fizeram-Lhe a seguinte pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão’. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?» Disse-lhes Jesus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. Na verdade, já nem podem morrer, pois são como os Anjos, e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus. E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’. Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».


VIVOS!
Dizer abertamente «acredito na ressurreição dos mortos» é uma tarefa delicada. Por um lado, esta afirmação é um elemento irrenunciável da nossa fé. Por outro, a este credo são associados uma série de preconceitos que parecem minar a credibilidade da doutrina cristã. Há quem veja na esperança da ressurreição apenas um “ópio do povo”, que procura adormecer a vontade de lutar por um mundo mais justo. Outros vêem na ressurreição uma forma de evasão, face aos problemas que a vida apresenta.

Estes preconceitos estão longe de ser “modernos”, pois já no tempo de Jesus, a escola dos saduceus (uma das várias seitas judaicas) afirmava que a ressurreição era apenas uma ilusão onde o homem projectava os seus desejos de imortalidade. Quando ouviram Jesus falar de ressurreição, os saduceus não desperdiçaram a ocasião e tentaram ridicularizar a Sua fé, submetendo-Lhe um caso limite: se uma mulher casa, sucessivamente, com sete irmãos, cumprindo a lei do levirato*, de quem será esposa na ressurreição?

A resposta de Cristo revoluciona o antigo conceito de ressurreição e diz-nos que não se trata de uma simples continuação da vida que vivemos neste mundo, mas uma vida nova e distinta, uma vida de plenitude. E uma vida que começa já!

Qual ópio do povo, qual carapuça! Para nós cristãos, a certeza da ressurreição não é apenas uma realidade que esperamos. É também o ideal no horizonte que nos apaixona e que influencia, desde já, a nossa existência terrena e que transforma as nossas opções, os nossos valores e as nossas atitudes. É precisamente a beleza da vida eterna prometida que nos dá a coragem de doar as nossas vidas e de enfrentar as forças de pecado que dominam o mundo, de forma a que o novo céu e a nova terra que nos esperam (e que entrevemos no horizonte) comecem a desenhar-se desde já.


(Tenham uma boa semana!)


* Levirato: tradição judaica, segundo a qual, o irmão de um defunto que morre sem deixar filhos, deve casar com a viúva, a fim de dar descendência ao falecido e impedir que os bens da família terminem em mãos estranhas.



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sábado, 30 de outubro de 2010

XXXI DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura do Livro da Sabedoria
(Sab 11,22-12,2)
Diante de Vós, Senhor, o mundo inteiro é como um grão de areia na balança, como a gota de orvalho que de manhã cai sobre a terra. De todos Vós compadeceis, porque sois omnipotente, e não olhais para os seus pecados, para que se arrependam. Vós amais tudo o que existe e não odiais nada do que fizestes; porque, se odiásseis alguma coisa, não a teríeis criado. e como poderia subsistir, se Vós não a quisésseis? Como poderia durar, se não a tivésseis chamado à existência? Mas a todos perdoais, porque tudo é vosso, Senhor, que amais a vida. O vosso espírito incorruptível está em todas as coisas. Por isso castigais brandamente aqueles que caem e advertis os que pecam, recordando-lhes os seus pecados, para que se afastem do mal e acreditem em Vós, Senhor.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144(145)
Refrão: Louvarei para sempre o vosso nome, Senhor meu Deus e meu Rei.

Quero exaltar-Vos meu Deus e meu Rei
e bendizer o vosso nome para sempre.
Quero bendizer-vos, dia após dia,
e louvar o vosso nome para sempre.

O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
O Senhor é bom para com todos
e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas.

Graças Vos dêem, Senhor, todas as criaturas
e bendigam-Vos os vossos fiéis.
Proclamem a glória do vosso Reino
e anunciem os vossos feitos gloriosos.

O Senhor é fiel à sua palavra
e perfeito em todas as suas obras.
O Senhor ampara os que vacilam
e levanta todos os oprimidos.


Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses
(2 Tes 1,11-2,2)
Irmãos: Oramos continuamente por vós, para que Deus vos considere dignos do seu chamamento e, pelo seu poder, se realizem todos os vosso bons propósitos e se confirme o trabalho da vossa fé. Assim o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo será glorificado em vós, e vós n’Ele, segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo. Nós vos pedimos, irmãos, a propósito da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e do nosso encontro com Ele: Não vos deixeis abalar facilmente nem alarmar por qualquer manifestação profética, por palavras ou por cartas, que se digam vir de nós, pretendendo que o dia do Senhor está iminente.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 19,1-10)
Naquele tempo, Jesus entrou em Jericó e começou a atravessar a cidade. Vivia ali um homem rico chamado Zaqueu, que era chefe de publicanos. Procurava ver quem era Jesus, mas, devido à multidão, não podia vê-l’O, porque era de pequena estatura. Então correu mais à frente e subiu a um sicómoro, para ver Jesus, que havia de passar por ali. Quando Jesus chegou ao local, olhou para cima e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa». Ele desceu rapidamente e recebeu Jesus com alegria. Ao verem isto, todos murmuravam, dizendo: «Foi hospedar-Se em casa dum pecador». Entretanto, Zaqueu apresentou-se ao Senhor, dizendo: «Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se causei qualquer prejuízo a alguém, restituirei quatro vezes mais». Disse-lhe Jesus: «Hoje entrou a salvação nesta casa, porque Zaqueu também é filho de Abraão. Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido».


SEM EXCEPÇÃO
Depois de algumas parábolas e ensinamentos “teóricos”, hoje Jesus demonstra-nos “na prática” uma das verdades mais bonitas, inesperadas e comoventes do Evangelho: Deus ama todos os seus filhos, sem excepção, e não exclui do Seu amor os marginalizados, os “impuros”, os pecadores públicos. Pelo contrário, é precisamente por eles (aqueles que a doutrina “oficial” colocou à margem da salvação) que Deus manifesta uma especial predilecção.

Porém, a meditação do Evangelho pede a inevitável incarnação do mesmo na nossa realidade. A mensagem de salvação permanece intacta, no entanto, é necessário actualizar o elenco dos excluídos e marginalizados: hoje, o famoso pedido de hospitalidade seria dirigido (provavelmente) a um homossexual, a um divorciado ou a uma abortista. E o murmurinho que esse gesto provocou nas multidões de então, provavelmente ouvir-se-ia novamente nas nossas comunidades. «Que escândalo! Foi alojar-se na casa daquela pessoa!»

A reacção de Zaqueu é muito importante para a nossa reflexão: ele não só acolhe Jesus com alegria, mas converte-se à lógica do Seu amor. Mas atenção: repare-se que Zaqueu só resolve ser generoso depois (!) do encontro com Jesus. Não foi após a conversão que o amor de Deus “visitou” o pecador mas, pelo contrário, foi essa visita (esse amor) que provocou a conversão e que converteu o egoísmo de Zaqueu em generosidade. Prova-se assim, que só a lógica do amor pode transformar este mundo e os corações dos homens.

Muitas vezes, em nome de Deus, marginalizamos e excluímos. Assumimos atitudes de censura, de crítica, de acusação que, longe de provocar a conversão do pecador, afastam-no ainda mais e levam-no a radicalizar as suas atitudes. Hoje o Evangelho de Jesus diz-nos que só o amor gera amor e que só com amor (não com intolerância ou fanatismo) conseguiremos transformar o mundo e o coração dos homens. Na verdade, como é que acolhemos e tratamos os que têm comportamentos socialmente inaceitáveis? Como é que acolhemos e integramos os que, pelas suas opções ou pelas voltas que a vida dá, assumem atitudes diferentes das que consideramos correctas, à luz dos ensinamentos da Igreja?

No entanto, testemunhar o Deus que ama (e que acolhe todos os homens) não significa branquear o pecado e pactuar com o que está errado. Tudo aquilo que é mau deve ser combatido. Contudo, distingamos (sempre!) entre pecador e pecado: Deus convida-nos a denunciar e a combater o pecado, mas não seríamos verdadeiros cristãos se não nos esforçássemos por amar e respeitar todos os homens e mulheres, inclusive os pecadores.


(Tenham uma boa semana!)


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sábado, 23 de outubro de 2010

XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura do Livro de Ben-Sirá
(Sir 35,15b-17.20-22a)
O Senhor é um juiz que não faz acepção de pessoas. Não favorece ninguém em prejuízo do pobre e atende a prece do oprimido. Não despreza a súplica do órfão nem os gemidos da viúva. Quem adora a Deus será bem acolhido e a sua prece sobe até às nuvens. A oração do humilde atravessa as nuvens e não descansa enquanto não chega ao seu destino. Não desiste, até que o Altíssimo o atenda, para estabelecer o direito dos justos e fazer justiça.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: O pobre clamou e o Senhor ouviu a sua voz.

A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.

A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
para apagar da terra a sua memória.
Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
livrou-os de todas as angústias.

O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
e salva os de ânimo abatido.
O Senhor defende a vida dos seus servos,
não serão castigados os que n’Ele confiam.


Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
(2 Tim 4,6-8.16-18)
Caríssimo: Eu já estou oferecido em libação e o tempo da minha partida está iminente. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. E agora já me está preparada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me há-de dar naquele dia; e não só a mim, mas a todos aqueles que tiverem esperado com amor a sua vinda. Na minha primeira defesa, ninguém esteve a meu lado: todos me abandonaram. Queira Deus que esta falta não lhes seja imputada. O Senhor esteve a meu lado e deu-me força, para que, por meu intermédio, a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada e todas as nações a ouvissem; e eu fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará de todo o mal e me dará a salvação no seu reino celeste. Glória a Ele pelos séculos dos séculos. Amen.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 18,9-14)
Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; Mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».


SANTOS E PECADORES
Diante da parábola do fariseu e do publicano, normalmente a minha reflexão (e, certamente, a de muitos cristãos) seguiria esta linha: enquanto que no fariseu vemos todos aqueles que se acreditam irrepreensíveis e olham com arrogância e soberba os que os rodeiam, no publicano vemos a pessoa que reconhece os próprios erros e pede humildemente perdão a Deus. Jesus exalta a atitude do pecador arrependido e aprendemos que vaidade e hipocrisia são obstáculos que impedem o homem de experimentar a graça da misericórdia de Deus. Tenho a certeza de que hoje, em muitas igrejas, se escutarão homílias que seguem esta lógica, mas a leitura de um comentário, escrito pelo Frei Raniero Cantalamessa (pregador da Casa Pontifícia), levou-me a pôr em causa a validade desta explicação e a perguntar-me se não estaria já “fora do prazo” para os cristãos dos nossos tempos.

Não é que a interpretação clássica esteja errada, mas a nossa sociedade é totalmente diferente da de Jesus. Ele contava as suas parábolas a um mundo profundamente religioso, onde a hipocrisia consistia em ostentar a observância dos preceitos e uma imagem de santidade, pois estas eram as qualidades que suscitavam o aplauso das multidões. Na nossa sociedade secularizada e permissiva, os valores alteraram-se radicalmente. O que se admira hoje em dia é precisamente o contrário: o aplauso vai a quem contesta as normas tradicionais e o adjectivo “transgressivo” tornou-se um dos elogios mais desejados.

É precisamente esta nova ordem das coisas que nos obriga a alterar os termos da parábola, se queremos preservar o seu significado original. Os publicanos de ontem são os novos fariseus de hoje! Actualmente são os publicanos (os transgressores) que dizem «Obrigado Deus, porque não sou como aqueles crentes, fariseus, hipócritas e intolerantes, que passam a vida a rezar, mas no fundo são piores do que os outros!». O mundo transformou-se de uma tal forma, que muitos até se esforçam por parecer maus (!), pois temem que alguém os possa apelidar de «santos»!

Uma conclusão prática que podemos aplicar, quer à interpretação tradicional, quer à reflexão que vos propus, é a seguinte: ninguém é totalmente fariseu e ninguém é totalmente publicano. Somos todos um pouco santos e um pouco pecadores. A coisa pior seria comportar-se como o publicano na vida e como o fariseu no templo. Os publicanos eram pecadores públicos, que colocavam o dinheiro acima de tudo; os fariseus eram, pelo contrário, pessoas muito austeras, que tentavam seguir escrupulosamente os mandamentos da Lei. O caminho que devemos absolutamente evitar é precisamente o de ser pecadores (publicanos no dia-a-dia) que pensam ser “justos” (fariseus no templo).

Se inevitavelmente devemos conciliar estas duas dimensões na nossa vida, pelo menos que seja ao contrário: fariseus no dia-a-dia e publicanos no templo. Como o fariseu, esforcemo-nos por não roubar, não enganar, respeitar as leis e pagar os impostos. Como o publicano, reconheçamos, quando estamos diante de Deus, que o que fizemos é sempre pouco e que necessitamos da Sua ajuda e misericórdia.


(Tenham uma boa semana!)



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sábado, 16 de outubro de 2010

XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura do Livro do Êxodo
(Ex 17,8-13a)
Naqueles dias, Amalec veio a Refidim atacar Israel. Moisés disse a Josué: «Escolhe alguns homens e amanhã sai a combater Amalec. Eu irei colocar-me no cimo da colina, com a vara de Deus na mão». Josué fez o que Moisés lhe ordenara e atacou Amalec, enquanto Moisés, Aarão e Hur subiram ao cimo da colina. Quando Moisés tinha as mãos levantadas, Israel ganhava vantagem; mas quando as deixava cair, tinha vantagem Amalec. Como as mãos de Moisés se iam tornando pesadas, trouxeram uma pedra e colocaram-no por debaixo para que ele se sentasse, enquanto Aarão e Hur, um de cada lado, lhe seguravam as mãos. Assim se mantiveram firmes as suas mãos até ao pôr do sol e Josué desbaratou Amalec e o seu povo ao fio da espada.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 120 (121)
Refrão: O nosso auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra.

Levanto os meus olhos para os montes:
donde me virá o auxílio?
O meu auxílio vem do Senhor,
que fez o céu e a terra.

Não permitirá que vacilem os teus passos,
não dormirá Aquele que te guarda.
Não há-de dormir nem adormecer
aquele que guarda Israel.

O Senhor é quem te guarda,
o Senhor está a teu lado, Ele é o teu abrigo.
O sol não te fará mal durante o dia,
nem a luz durante a noite.

O Senhor te defende de todo o mal,
o Senhor vela pela tua vida.
Ele te protege quando vais e quando vens,
agora e para sempre.


Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
(2 Tim 3,14-4,2)
Caríssimo: Permanece firme no que aprendeste e aceitaste como certo, sabendo de quem o aprendeste. Desde a infância conheces as Sagradas Escrituras; elas podem dar-te a sabedoria que leva à salvação, pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura, inspirada por Deus, é útil para ensinar, persuadir, corrigir e formar segundo a justiça. Assim o homem de Deus será perfeito, bem preparado para todas as boas obras. Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo, que há-de julgar os vivos e os mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: Proclama a palavra, insiste a propósito e fora de propósito, argumenta, ameaça e exorta, com toda a paciência e doutrina.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 18,1-8)
Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos uma parábola sobre a necessidade de orar sempre sem desanimar: «Em certa cidade vivia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. Havia naquela cidade uma viúva que vinha ter com ele e lhe dizia: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário’. Durante muito tempo ele não quis atendê-la. Mas depois disse consigo: ‘É certo que eu não temo a Deus nem respeito os homens; mas, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, para que não venha incomodar-me indefinidamente’». E o Senhor acrescentou: «Escutai o que diz o juiz iníquo!... E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa. Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre esta terra?»


REZAR PARA QUÊ?
O “coração” da parábola deste domingo não é a viúva obstinada e nem sequer o juiz que finalmente decide atender o pedido de justiça daquela mulher. A mensagem de que nos fala o Evangelho é a importância de rezar sempre. Jesus ensina-nos o valor da oração perseverante, constante e cheia de confiança. Se até mesmo um juiz iníquo, acabará por escutar uma viúva teimosa e insistente, quanto mais Deus (o Pai misericordioso!) escutará os que O procuram incansavelmente.

Mas rezar para quê, se acreditamos que o «Pai celeste sabe tudo o que necessitamos antes mesmo que o peçamos» (cf. Mt 6,5)? Rezar, porque é nesse diálogo que crescemos na compreensão dos projectos e ritmos de Deus. É nesse diálogo que Deus transforma os nossos corações. É nesse diálogo que aprendemos a entregarmo-nos nas mãos de Deus e a confiar n’Ele. A oração não é uma fórmula mágica e automática para levar Deus a fazer-nos as “vontadinhas”… É um exercício, um instrumento, um Caminho que percorremos para crescer na comunhão profunda com Ele.

O significado da frase de Jesus «pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos» (Mt 7,7) pode ser compreendido somente após uma longa experiência de oração fiel e perseverante. O fruto dessa oração é a intimidade com o Pai. Intimidade (comunhão) que nos torna conscientes de que a porta que se abre, pode não ser aquela a que inicialmente batíamos, mas corresponde (sempre) à que realmente necessitamos. E é por isso que nós cristãos rezamos com confiança: «faça-se a Tua vontade, assim na terra como no céu».

(Tenham uma boa semana!)


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sábado, 9 de outubro de 2010

XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura do Segundo Livro dos Reis
(2 Reis 5,14-17)
Naqueles dias, o general sírio Naamã desceu ao Jordão e aí mergulhou sete vezes, como lhe mandara Eliseu, o homem de Deus. A sua carne tornou-se tenra como a de uma criança e ficou purificado da lepra. Naamã foi ter novamente com o homem de Deus, acompanhado de toda a sua comitiva. Ao chegar diante dele, exclamou: «Agora reconheço que em toda a terra não há outro Deus senão o de Israel. Peço-te que aceites um presente deste teu servo». Eliseu respondeu-lhe: «Pela vida do Senhor que eu sirvo, nada aceitarei». E apesar das insistências, ele recusou. Disse então Naamã: «Se não aceitas, permite ao menos que se dê a este teu servo uma porção de terra para um altar, tanto quanto possa carregar uma parelha de mulas, porque o teu servo nunca mais há-de oferecer holocausto ou sacrifício a quaisquer outros deuses, mas apenas ao Senhor, Deus de Israel».


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)
Refrão : O Senhor manifestou a salvação a todos os povos.

Cantai ao Senhor um cântico novo
pelas maravilhas que Ele operou.
A sua mão e o seu santo braço
Lhe deram a vitória.

O Senhor deu a conhecer a salvação,
revelou aos olhos das nações a sua justiça.
Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
em favor da casa de Israel.

Os confins da terra puderam ver
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor, terra inteira,
exultai de alegria e cantai.


Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
(2 Tim 2,8-13)
Caríssimo: Lembra-te de que Jesus Cristo, descendente de David, ressuscitou dos mortos, segundo o meu Evangelho, pelo qual eu sofro, até ao ponto de estar preso a estas cadeias como um malfeitor. Mas a palavra de Deus não está encadeada. Por isso, tudo suporto por causa dos eleitos, para que obtenham a salvação que está em Cristo Jesus, com a glória eterna. É digna de fé esta palavra: Se morremos com Cristo, também com Ele viveremos; se sofremos com Cristo, também com ele reinaremos; se O negarmos, também Ele nos negará; se Lhe formos infiéis, Ele permanece fiel, porque não pode negar-Se a Si mesmo.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 17,11-19)
Naquele tempo, indo Jesus a caminho de Jerusalém, passava entre a Samaria e a Galileia. Ao entrar numa povoação, vieram ao seu encontro dez leprosos. Conservando-se a distância, disseram em alta voz: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós». Ao vê-los, Jesus disse-lhes: «Ide mostrar-vos aos sacerdotes». E sucedeu que no caminho ficaram limpos da lepra. Um deles, ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz, e prostrou-se de rosto por terra aos pés de Jesus para Lhe agradecer. Era um samaritano. Jesus, tomando a palavra, disse: «Não foram dez que ficaram curados? Onde estão os outros nove? Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?» E disse ao homem: «Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou».


SÃOS E SALVOS
Para compreendermos o episódio que o Evangelho nos propõe, é bom termos, pelo menos, uma ideia geral de como eram vistos, há dois mil anos atrás, os doentes de lepra e os samaritanos.

O leproso, no tempo de Jesus, era o protótipo do marginalizado: além de causar naturalmente repugnância pela sua aparência e de infundir o medo de contágio, ao leproso eram atribuídos, automaticamente, pecados graves (a lepra era vista como o castigo de Deus para esses pecados). Um leproso, quando identificado, era imediatamente excluído da sociedade e obrigado a afastar-se de qualquer convívio humano para não contaminar os outros com a sua impureza. Em caso de cura, devia apresentar-se diante de um sacerdote e, somente após a atestação dessa cura por parte da autoridade religiosa, podia então ser reintegrado na comunidade.

Para os judeus, também os samaritanos eram pessoas a evitar. A desconfiança religiosa dos judeus em relação aos samaritanos começou quando, em 721 a.C., os colonos assírios invadiram a Samaria e misturaram-se com a população local. Para os judeus, os habitantes da Samaria começaram então a “paganizar-se”, absorvendo vários elementos religiosos da cultura assírica. Os habitantes de Jerusalém desprezavam os samaritanos por causa deste sincretismo religioso e também, por causa do inevitável mestiçamento racial.

O episódio de hoje não é a única ocasião em que o Evangelho dá protagonismo a leprosos, samaritanos e outros “excluídos” da sociedade hebraica, reforçando desta forma a certeza de que a salvação oferecida por Deus, em Jesus, não se destina apenas à comunidade do “Povo eleito”, mas a todos os homens, sem excepção. No entanto, a “parábola viva” dos dez leprosos propõe-nos também uma outra reflexão muito importante: mais do que na cura em si, o acento do episódio de hoje é colocado na gratidão e no facto de apenas um dos leprosos curados ter voltado atrás para agradecer e «glorificar Deus».

A que serve estar “são” se não estou “salvo”? Dez pessoas foram curadas, mas apenas uma encontrou a salvação. E os nove ingratos representam perfeitamente uma ideia de cristianismo muito difusa, que vê em Deus um potente curandeiro, a invocar nos momentos de aflição, mas imediatamente colocado de parte quando as coisas correm bem. Jesus diz-nos que não há verdadeira redenção sem uma resposta de gratidão e de adesão plena à proposta de salvação que Deus faz.

Mas atenção: muitas vezes são aqueles que parecem mais fora da órbita de Deus que primeiro reconhecem o Seu dom, que o acolhem e que aderem à proposta de vida nova que lhes é feita. Às vezes, aqueles que lidam diariamente com o mundo do sagrado estão demasiado cheios de auto-suficiência e de orgulho para acolherem com humildade e simplicidade os dons de Deus, para manifestarem gratidão e para aceitarem ser transformados pela Sua graça. Respondamos com sinceridade: qual a atitude que, dia a dia, assumimos diante de Deus? É uma atitude de auto-suficiência, ou é uma atitude de adesão humilde e de gratidão?


(Boa semana e boa reflexão!)



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sábado, 2 de outubro de 2010

XXVII DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura da Profecia de Habacuc
(Hab 1,2-3; 2,2-4)
«Até quando, Senhor, chamarei por Vós e não Me ouvis? Até quando clamarei contra a violência e não me enviais a salvação? Porque me deixais ver a iniquidade e contemplar a injustiça? Diante de mim está a opressão e a violência, levantam-se contendas e reina a discórdia?» O Senhor respondeu-me: «Põe por escrito esta visão e grava-as em tábuas com toda a clareza, de modo que a possam ler facilmente. Embora esta visão só se realize na devida altura, ela há-de cumprir-se com certeza e não falhará. Se parece demorar, deves esperá-la, porque ela há-de vir e não tardará. Vede como sucumbe aquele que não tem alma recta; mas o justo viverá pela sua fidelidade».


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 94 (95)
Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações.

Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos a Deus, nosso Salvador.
Vamos à sua presença e dêmos graças,
ao som de cânticos aclamemos o Senhor.

Vinde, prostremo-nos em terra,
adoremos o Senhor que nos criou.
O Senhor é o nosso Deus
e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
«Não endureçais os vossos corações,
como em Meriba, como no dia de Massa no deserto,
onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
apesar de terem visto as minhas obras».


Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
(2 Tim 1,6-8.13-14)
Caríssimo: Exorto-te a que reanimes o dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos. Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de caridade e moderação. Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem te envergonhes de mim, seu prisioneiro. Mas sofre comigo pelo Evangelho, confiando no poder de Deus. Toma como norma as sãs palavras que me ouviste, segundo a fé e a caridade que temos em Jesus Cristo. Guarda a boa doutrina que nos foi confiada, com o auxílio do Espírito Santo, que habita em nós.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 17,5-10)
Naquele tempo, os Apóstolos disseram ao Senhor: «Aumenta a nossa fé». O Senhor respondeu: «Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te daí e vai plantar-te no mar’, e ela obedecer-vos-ia. Quem de vós, tendo um servo a lavrar ou a guardar gado, lhe dirá quando ele volta do campo: ‘Vem depressa sentar-te à mesa’? Não lhe dirá antes: ‘Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, até que eu tenha comido e bebido. Depois comerás e beberás tu. Terá de agradecer ao servo por lhe ter feito o que mandou? Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: ‘Somos inúteis servos: fizemos o que devíamos fazer’».


INÚTEIS?
Nas últimas seis semanas o Evangelho sublinhou várias vezes as exigências do caminho que devemos percorrer para alcançar o “Reino”. Jesus falou-nos da necessidade de liberdade em relação aos bens materiais (XXVI e XXV domingo); da exigência de testemunhar, sempre, a misericórdia e o perdão, (XXIV domingo); do dever de renunciar a tudo o que possa ser obstáculo à missão (XXIII domingo); da importância de converter o nosso coração à humildade (XXII domingo). Ficámos também a saber que a «porta é estreita» (XXI domingo) e tudo isto acabou por suscitar nos Apóstolos (e em nós também) o pedido, muito concreto, que “abre” o Evangelho deste domingo: «Senhor, aumenta a nossa fé!».

No Novo Testamento, em geral, a fé não corresponde a uma adesão a dogmas ou a um conjunto de verdades abstractas sobre Deus: neste caso corresponde à adesão a Cristo e ao projecto do “Reino”. Pedir a Jesus que aumente a fé significa, portanto, pedir-Lhe que aumente a coragem de optar pelo “Reino” e pelas exigências que o “Reino” comporta.

Imediatamente após este trecho, para evitar que caiamos numa visão “contratual” da fé, Lucas propõe-nos a parábola do servo inútil, onde é descrita a atitude que o homem deve assumir diante de Deus. Os fariseus estavam convencidos de que bastava cumprir os mandamentos para alcançar a salvação: se o homem cumprisse as regras, Deus não teria outro remédio senão salvá-lo. A salvação dependia, de acordo com esta perspectiva, dos méritos do homem. Deus seria, assim, apenas um contabilista, empenhado em fazer contas para ver se o homem tinha ou não direito à salvação…

Com a parábola do servo inútil, Jesus coloca as coisas numa dimensão diferente. A atitude do verdadeiro discípulo frente a Deus não deve ser a atitude de quem sente que fez tudo muito bem feito e que, por isso, Deus lhe deve algo, mas deve ser a atitude de quem cumpre o seu papel com humildade, sentindo-se um servo que apenas fez o que lhe competia. “Inúteis”, não porque sejamos incapazes, mas porque a salvação não depende dos nossos esforços: depende apenas da bondade do Pai.


(Tenham uma boa semana!)




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sábado, 25 de setembro de 2010

XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura da Profecia de Amós
(Am 6,1a.4-7)
Eis o que diz o Senhor omnipotente: «Ai daqueles que vivem comodamente em Sião e dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria. Deitados em leitos de marfim, estendidos nos seus divãs, comem os cordeiros do rebanho e os vitelos do estábulo. Improvisam ao som da lira e cantam como David as suas próprias melodias. Bebem o vinho em grandes taças e perfumam-se com finos unguentos, mas não os aflige a ruína de José. Por isso, agora partirão para o exílio à frente dos deportados e acabará esse bando de voluptuosos».

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)
Refrão: Ó minha alma, louva o Senhor.

O Senhor faz justiça aos oprimidos,
dá pão aos que têm fome
e a liberdade aos cativos.

O Senhor ilumina os olhos dos cegos,
o Senhor levanta os abatidos,
o Senhor ama os justos.

O Senhor protege os peregrinos,
ampara o órfão e a viúva
e entrava o caminho aos pecadores.

O Senhor reina eternamente.
O teu Deus, ó Sião,
é Rei por todas as gerações.


Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
(1 Tim 6,11-16)
Caríssimo: Tu, homem de Deus, pratica a justiça e a piedade, a fé e a caridade, a perseverança e a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e sobre a qual fizeste tão bela profissão de fé perante numerosas testemunhas. Ordeno-te na presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas, e de Cristo Jesus, que deu testemunho da verdade diante de Pôncio Pilatos: guarda este mandamento sem mancha e acima de toda a censura, até à aparição de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual manifestará a seu tempo o venturoso e único soberano, Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade e habita uma luz inacessível, que nenhum homem viu nem pode ver. A Ele a honra e o poder eterno. Amen.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 16,19-31)
Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: «Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, jazia junto do seu portão, coberto de chagas. Bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas. Ora sucedeu que o pobre morreu e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. Na mansão dos mortos, estando em tormentos, levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado. Então ergueu a voz e disse: ‘Pai Abraão, tem compaixão de mim. Envia Lázaro, para que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nestas chamas’. Abraão respondeu-lhe: ‘Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida e Lázaro apenas os males. Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado. Além disso, há entre nós e vós um grande abismo, de modo que se alguém quisesse passar daqui para junto de vós, ou daí para junto de nós, não poderia fazê-lo’. O rico insistiu: ‘Então peço-te, ó pai, que mandes Lázaro à minha casa paterna – pois tenho cinco irmãos – para que os previna, a fim de que não venham também para este lugar de tormento’. Disse-lhe Abraão: ‘Eles têm Moisés e os Profetas. Que os oiçam’. Mas ele insistiu: ‘Não, pai Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles, arrepender-se-ão’. Abraão respondeu-lhe: ‘Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas, mesmo que alguém ressuscite dos mortos, não se convencerão’.


O ABISMO
Mais uma vez a liturgia da Palavra propõe-nos uma parábola difícil de interpretar... São-nos apresentados dois personagens: o pobre Lázaro e um homem rico que permanece anónimo. Os dois morrem e descobrimos que um está destinado aos “tormentos” e outro ao “banquete do Reino”. Nada sabemos das acções (boas ou más) praticadas neste mundo pelos dois personagens e as únicas pistas de interpretação que encontramos parecem relacionar-se com a riqueza e a pobreza que os distinguiam. Portanto, qual a conclusão que retiramos desta parábola? Que a riqueza é pecado? Que ser rico equivale a ser mau e portanto, a estar destinado aos “tormentos”? Atenção a não cair em leituras demasiado superficiais e “simplistas” do Evangelho, pois a mensagem profunda desta página é bastante mais complexa e interessante...

Sem sombra de dúvida, estamos diante de uma crítica à opulência e à ostentação, mas se o homem rico é condenado, não o é tanto pela riqueza que possui, quanto pela indiferença que caracterizou a sua vida.

A verdadeira questão é a administração dos bens terrenos e também os (pouco conhecidos e pouco meditados) pecados de omissão. Na lógica do Reino anunciado por Jesus, os bens terrenos não pertencem a ninguém em particular (nem sequer àqueles que trabalharam duramente e honestamente para os conquistar), mas são dons de Deus, postos à disposição de todos os seus filhos, para serem partilhados e para assegurarem uma vida digna a todos. Quem usa os bens para ter uma vida luxuosa, esquecendo-se das necessidades dos outros homens, está a defraudar o projecto de Deus e os seus irmãos que vivem na miséria.

A parábola diz-nos que entre o banquete do Reino e o “tormento” do homem rico existe um abismo, mas essa realidade não vem de Deus: é criada por nós mesmos e por uma vida de indiferença e apatia. Somos nós que “cavamos” esse fosso! ...quando olhamos em frente e tentamos não cruzar os olhos do pobre que nos suplica uma esmola; quando ouvimos a notícia de uma catástrofe e a nossa única acção é um encolher de ombros; quando sabemos que junto a nós alguém sofre e nada fazemos para o ajudar. O fosso é uma realidade que escolhemos e por isso apenas nós podemos enchê-lo e eliminá-lo. Como? Colmatando-o com sentimentos de compaixão e obras de misericórdia.


(Tenham uma boa semana!)


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sábado, 18 de setembro de 2010

XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano C)



Leitura da Profecia de Amos
(Am 8,4-7)
Escutai bem, vós que espezinhais o pobre e quereis eliminar os humildes da terra. Vós dizeis: «Quando passará a lua nova, para podermos vender o nosso grão? Quando chegará o fim de sábado, para podermos abrir os celeiros de trigo? Faremos a medida mais pequena, aumentaremos o preço, arranjaremos balanças falsas. Compraremos os necessitados por dinheiro e os indigentes por um par de sandálias. Venderemos até as cascas do nosso trigo». Mas o Senhor jurou pela glória de Jacob: «Nunca esquecerei nenhuma das suas obras».


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 112 (113)
Refrão: Louvai o Senhor, que levanta os fracos.

Louvai, servos do Senhor,
louvai o nome do Senhor.
Bendito seja o nome do Senhor,
agora e para sempre.

O Senhor domina sobre todos os povos,
a sua glória está acima dos céus.
Quem se compara ao Senhor nosso Deus, que tem o seu trono nas alturas
e Se inclina lá do alto a olhar o céu e a terra.

Levanta do pó o indigente
e tira o pobre da miséria,
para o fazer sentar com os grandes,
com os grandes do seu povo.


Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
(1 Tim 2,1-8)
Caríssimo: Recomendo, antes de tudo, que se façam preces, orações, súplicas e acções de graças por todos os homens, pelos reis e por todas as autoridades, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. Isto é bom e agradável aos olhos de Deus, nosso Salvador; Ele quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que Se entregou à morte pela redenção de todos. Tal é o testemunho que foi dado a seu tempo e do qual fui constituído arauto e apóstolo – digo a verdade, não minto – mestre dos gentios na fé e na verdade. Quero, portanto, que os homens rezem em toda a parte, erguendo para o Céu as mãos santas, sem ira nem contenda.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 16,1-13)
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Um homem rico tinha um administrador que foi denunciado por andar a desperdiçar os seus bens. Mandou chamá-lo e disse-lhe: ‘Que é isto que ouço dizer de ti? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar’. O administrador disse consigo: ‘Que hei-de fazer, agora que o meu senhor me vai tirar a administração? Para cavar não tenho força, de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei-de fazer, para que, ao ser despedido da administração, alguém me receba em sua casa’. Mandou chamar um por um os devedores do seu senhor e disse ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu senhor?’. Ele respondeu: ‘Cem talhas de azeite’. O administrador disse-lhe: ‘Toma a tua conta: senta-te depressa e escreve cinquenta’. A seguir disse a outro: ‘E tu quanto deves?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. Disse-lhe o administrador: ‘Toma a tua conta e escreve oitenta’. E o senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza. De facto, os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes. Ora Eu digo-vos: Arranjai amigos com o vil dinheiro, para que, quando este vier a faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. Quem é fiel nas coisas pequenas, também é fiel nas grandes; e quem é injusto nas coisas pequenas também é injusto nas grandes. Se não fostes fiéis no que se refere ao vil dinheiro, quem vos confiará o verdadeiro bem? E se não fostes fiéis no bem alheio, quem vos entregará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou não gosta de um deles e estima o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro».


FELIZES OS ALDRABÕES?
A parábola do administrador sagaz que encontramos no Evangelho deste domingo não é nada fácil de entender. Se não conhecêssemos as leis e costumes da Palestina Antiga, até poderíamos pensar que Jesus estava a elogiar as aldrabices do administrador... Mas, como veremos em seguida, não é esse o caso.

No tempo de Jesus, o administrador de uma propriedade actuava em nome do seu senhor, sem receber um salário fixo. Como não recebia remuneração, vivia graças a uma taxa que cobrava aos devedores do verdadeiro proprietário. Por exemplo: na parábola que escutámos, dos cem “baths” de azeite anotados no recibo (uns 3700 litros), possivelmente, só uns cinquenta haviam sido, na realidade, emprestados. Os outros cinquenta constituíam a exorbitante “comissão” que devia ser paga ao administrador. Provavelmente, o que este administrador fez foi renunciar ao lucro que lhe era devido, a fim de assegurar a gratidão dos devedores: renunciou a um lucro imediato, a fim de assegurar o seu futuro.

Este administrador, se é chamado “desonesto” (como podemos ler no final da parábola) não o é pelo gesto de abater as dívidas, mas sim, pelos actos anteriores, que até levaram o patrão a despedi-lo. O senhor louva-o, não pelas suas aldrabices, mas pela sua sagacidade em renunciar à sua taxa: o administrador sabe que o dinheiro tem um valor relativo e troca-o por outros valores mais significativos, tais como, a amizade e a gratidão.

«Arranjai amigos com o vil dinheiro, para que, quando este vier a faltar, eles vos recebam nas moradas eternas». Esta frase, que conclui a parábola do administrador sagaz, revela-nos a verdadeira lição que devemos aprender: os bens deste mundo são passageiros e devem ser utilizados, não como um fim em si mesmos, mas como instrumentos para ajudar os outros e socorrer os mais necessitados. E o bem que fizermos testemunhará/confirmará a nossa escolha por Cristo, pois não podemos “comprar” a salvação, mas tal como diz São Tiago: «a fé sem obras está completamente morta. (...) Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé» (Tg 2,17-18).


(Tenham uma boa semana!)



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